O falso dilema do IRPJ e CSLL sobre a Selic no indébito tributário
Caio Cesar Braga Ruotolo*
O Supremo Tribunal Federal vem adiando sucessivamente o julgamento do RE nº 1.063.187/SC, que em sede de repercussão geral, poderá decidir tema de grande importância para os contribuintes. A última data estava prevista para o dia 18.08.21 e foi adiado.
A discussão é sobre a incidência ou não de IRPJ e CSLL sobre a valores a serem restituídos ou compensados que estão com a taxa Selic, e que por conta de decisões judiciais, o fisco foi obrigado a devolver ao contribuinte.
O STJ já proferiu algumas decisões sobre o tema sem, contudo, pacificar, mas na atualidade ganhou contornos de relevo em razão da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, cujos valores a serem restituídos pelo fisco passam da casa dos bilhões, incluindo a Selic nesses cálculos.
É importante recordar que o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº 1.111.189/SP, julgado nos idos de 2009, já havia entendido que a SELIC é composta de taxa de juros e correção monetária, não podendo ser cumulada, a partir da sua incidência, com qualquer outro índice.
A legislação do Estado de São Paulo, no art. 1º da Lei 10.175/98, com vigência a partir de 01/01/99, estabeleceu que os impostos estaduais, não liquidados nos prazos previstos na legislação própria, ficam sujeitos a juros de mora. No seu parágrafo 1º, dispõe que a taxa de juros de mora é equivalente por mês, à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, para títulos federais.
Por sua vez, o Código Civil no artigo 406, definiu que a taxa Selic são juros moratórios de modo que a sua origem é o inadimplemento do devedor (fisco no caso) em cumprir uma obrigação de dar ou fazer, por exemplo.
Frise-se que o STF ao julgar o Tema nº 808 em Repercussão Geral entendeu que: “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”.
Acerca da interpretação do artigo 153, III da Constituição Federal, que trata da competência da União para instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza, tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STF, têm forte orientação de que a materialidade do referido tributo está relacionada à existência de acréscimo patrimonial, aspecto ligado às ideias de renda e de proventos de qualquer natureza, bem como ao princípio da capacidade contributiva.
A doutrina é uníssona em afirmar que tanto a renda quanto os proventos de qualquer natureza necessitam da existência de acréscimo patrimonial, pois, também o CTN adotou expressamente o conceito de renda como acréscimo, ou seja, tanto renda (produto do capital e/ou trabalho) quanto os proventos (acréscimos patrimoniais em geral).
Então, a questão que o STF deverá enfrentar no referido processo é se a Selic constitui ou não acréscimo patrimonial, ou se é recomposição de patrimônio que foi privado do contribuinte no momento oportuno. No referido processo a fazenda busca a distinção entre juros moratórios e remuneratórios para fins de sustentar a incidência do IRPJ e CSLL sobre a parcela dos valores a serem restituídos e/ou compensados com a inclusão da SELIC.
Não obstante o tema estar no STF, pensamos que a matéria sempre foi de ordem infraconstitucional e deveria ser analisada com suporte no Código Civil e CTN.
Nesse sentido, sem sombra de dúvidas, que a expressão “juros moratórios”, que é própria do Direito Civil, designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.
Veja-se que o legislador civilista entendeu que o não recebimento nas datas correspondentes, dos valores em dinheiro, aos quais teria direito o credor, implicaria prejuízo para ele, bem como previu a possibilidade de serem as perdas efetivas infinitamente maiores que os juros de mora, de modo que possibilitou, caso não houvesse pena convencional, a concessão de indenização complementar.
Isso, por si só, já serviria para derrubar os argumentos do fisco, pois não é concebível que no mundo real o contribuinte optaria por deixar seu capital indisponível somente para, após uma longa e insegura jornada pelos escaninhos do judiciário e, depois, outra via crucis pela receita federal, receber sua restituição ou compensação de valores pagos a maior ou indevidamente, do que tê-lo aplicado no tempo oportuno, em fundos ou aplicações financeiras com possibilidade de rentabilidade infinitamente superior à Selic.
Por isso que, ao adentrar em institutos muito próprios do direito civil para fins de fundamentar questões de direito tributário, cabe ao STF todo o cuidado para que o sistema como um todo pare em pé.
Ao nos debruçarmos sobre o artigo 153, III da CF, passarmos pelo Código Civil, artigos 404 e 406, bem como verificarmos a materialidade do imposto esboçada no artigo 43 do CTN, além da doutrina civilista, tributária e jurisprudência do STJ e STF, é fácil constatar que a natureza jurídica da Selic é de juros de mora, uma indenização que apenas recompõe o patrimônio do contribuinte que se viu privado de utilizar ou se viu assenhoreado pelo fisco de forma ilegal ou inconstitucional, não havendo que incidir IRPJ ou CSLL sobre a parte que sofreu a incidência da Selic.
Aguardaremos ansiosamente pela melhor análise do STF sobre a matéria e um desfecho favorável ao contribuinte.
*Caio Cesar Braga Ruotolo é advogado tributarista em São Paulo. Associado do escritório Silveira Law. Membro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio em São Paulo.
Foi Coordenador Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Foi membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP (2017/2018) e da Comissão de Assuntos Fiscais da CNI (2014-2020). Pós Graduado com Especialização em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Gestão de Recursos Humanos. Experiência consultiva e contenciosa nas áreas de direito tributário, empresarial, ambiental, aeronáutico e crimes contra a ordem tributária.
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