Black Friday, VIA (Varejo) e Planos de Contingência
Estevao Seccatto*
Neste ano de 2021 a
Black Friday será no dia 26 de novembro. Na sexta-feira, dia 05 de novembro de
2021, 3 semanas antes, o Brasil teve um tipo de Sexta-Feira Negra, totalmente
diferente, em que a cantora Marilia Mendonça, de apenas 26 anos de idade, ícone
da música sertaneja nacional, faleceu num trágico acidente de avião. Essas
sextas-feiras se conectam de uma forma única. Marília Mendonça era a garota
propaganda da Black Friday 2021 da Casas Bahia, principal empresa da Via
Varejo, agora somente VIA (que também é dona da Ponto Frio e e-commerce do
Extra).
O termo “Black Friday”
foi utilizado pela primeira vez em 1869, durante uma crise na bolsa de NY, e
nos anos 2000 os varejistas americanos passaram a adotar a data e o termo de
forma positiva, com realização de liquidações para aumento das vendas. A ação
passou a ser utilizada pelas empresas brasileiras a partir de 2010, com aumento
de vendas significativo nessa data, o que não necessariamente se traduz em
margem, uma vez que os descontos concedidos são elevados. Aliás, a Black Friday
pode ser traiçoeira para varejistas menos experimentados, uma vez que podem
ficar tentados a vender com margens de contribuição negativas, estocar-se
demais (sem ter a vazão esperada, ficando com produtos encalhados), empatando
capital de giro (alavancando-se com dívidas), bem como investir em ações
pontuais de mídia sem retorno expressivo.
Voltando à A VIA, a
empresa vem, desde 2019, buscando se reinventar com investimentos na
reestruturação das operações e na transformação digital, acelerada pela
pandemia do coronavírus. Atualmente a empresa conta com mais de 15 mil
vendedores em seu marketplace. As ações de turnaround da VIA incluíram a
implantação de projetos de melhoria de eficiência operacional/ logística,
atração de talentos, reposicionamento estratégico, melhoria da competitividade
no varejo unificado, aquisição de startups e incubadoras (como a I9XP e
Distrito).
Como resultado, em 2020
as vendas próprias cresceram 174% e as vendas via marketplace cresceram 90%. O
prejuízo de R$ 1,4 bilhões em 2019 foi revertido em lucro de R$1,0 bilhão em
2020, e o EBITDA cresceu 2,7x, atingindo R$ 2,9 bilhões. Quando olhamos os
resultados acumulados dos primeiros 9 meses, observamos que apesar da receita
líquida ter subido 17% de 2020 para 2021, para R$22.7 bilhões, o lucro bruto
caiu 6,0% em 2021, o que reflete maior custos de mercadorias vendidas, isso,
somado a um aumento de quase R$2,0 bilhões nas despesas com vendas, fez com que
a margem EBITDA caísse de 12,2% nos primeiros 9 meses de 2020 para 3,2% nos
primeiros 9 meses de 2021.
Importante observar que
a geração de caixa operacional saiu de negativos R$1,6 bilhões em 2019 para
R$660 milhões positivos em 2020, sendo que, nos primeiros 9 meses de 2020, a
geração de caixa foi negativa em R$ 4,6 bilhões (altamente impactado pelo
aumento de R$3,3 bilhões nas contas a receber), ou seja, o 4º trimestre, como é
de se esperar (Black Friday e Natal) contribuem positivamente para a
recuperação do caixa operacional. Já nos primeiros 9 meses de 2021, o fluxo de
caixa de atividades operacionais foi negativo em R$489 milhões, melhor que
2020, apesar das margens terem sido menores.
Aparentemente as ações
de turnaround estão surtindo efeito, não somente na primeira linha (vendas)
como no resultado. A empresa apresenta EBITDA e geração de caixa positivos nos
últimos anos, apesar da queda nos primeiros trimestres de 2020.
Como desafios, a
empresa relaciona: aumentar a participação do marketplace nas vendas
(aumentando serviços para lojistas, categorias de produtos, frequência e ticket
de compras), melhorar a logística (coleta, distribuição e armazenagem,
aumentando entregas no mesmo dia), expandir ainda mais a presença física em
regiões remotas, aumentar a penetração em classes de maior renda, e itens de
maior valor agregado, e aumentar a oferta de crédito.
O ambiente do varejo é
desafiador e competitivo, com as maiores concorrentes (Mercado Livre, B2W e
Magalu) investindo pesado em logística, ajustando políticas comerciais para
aumentar as vendas, comprando startups/ tecnologia e aumentando as suas
presenças digitais (organicamente e com aquisições). A VIA possui base física
robusta (27 centros de distribuição e 1.052 lojas em todo o país) além de forte
relacionamento com fornecedores e grande base de clientes, o que é muito útil
nessa briga por mercado.
Após a confirmação do
falecimento da Marília, em questão de horas, o CEO da VIA, Roberto
Fulcherberguer, e outros diversos executivos da empresa, assim como as mídias
sociais da empresa, solidariamente anunciaram que sentiam muito a perda da
artista, e que a campanha publicitária com a artista estava cancelada. Na minha
opinião, atitude bastante nobre, e que demonstra também a capacidade de reação
rápida a um evento de crise.
Infelizmente, essa
implantação de planos de contingência não é observada na maior parte das
empresas, independente dos seus tamanhos. Vocês devem se lembrar do evento de
vazamento de informações dos usuários do Facebook, em que seu fundador Mark
Zuckerberg, inabilmente sumiu, e ficou sem se pronunciar por 15 dias,
demonstrando que mesmo grandes empresas não possuem plano de contenção de
crises.
Momentos como esse
evidenciam a necessidade de planos de continuidade. Após eventos negativos
repentinos, empresas estarão mais preparadas para restabelecer suas operações
se tiverem previamente elaborado planos de recuperação de desastres e de
continuidade de negócios.
Tais planos devem
incluir a capacidade de fornecer respostas imediatas a incidentes inesperados,
tal como a infeliz perda da “estrela” da campanha publicitária mais importante
do ano da VIA. Isso requer planejamento e organização para que funcione de
forma efetiva. Obviamente, quem deixar para se planejar no meio do caos terá
resultados pouco desejáveis.
Ter implementadas
culturas e políticas de gestão de continuidade de negócios, como fez a VIA
nesse momento, pode reduzir os impactos negativos e acelerar a recuperação em
quase todos os tipos de crises corporativas.
Esses planos consistem
em: (i) identificar pontos fracos, atividades “core” e o que se deseja
preservar em situações de stress, bem como quais ameaças existem; (ii) analisar
os impactos (financeiros e não financeiros) resultantes da interrupção dos
negócios, mapeando processos críticos para recuperação, incluindo cenários,
afim de entender o que deve ser priorizado; (iii) criar estratégias de
recuperação com soluções (planos de ação), incluindo estruturas necessárias
para responder a incidentes e procedimentos padrão para cada tipo de cenário,
de forma a mitigar os impactos em casos de emergência; (iv) incorporar o plano
na cultura da organização, pois sua execução depende do preparo da organização
para responder rapidamente; e (v) monitorar os resultados.
A forma como as
organizações lidam com eventos de crise evoluiu com o tempo. O antigo conceito
de avaliar o risco e desenvolver um plano de ação isolado foi substituído pela
prática de melhoria contínua e avaliação constante da aderência do plano à
realidade da empresa.
Os planos de
continuidade não fornecem necessariamente uma solução, mas introduzem testes de
razoabilidade em cenários mensuráveis, mantendo a flexibilidade para diferentes
aplicações, uma vez que os eventos, simplesmente, não acontecem da maneira que
planejamos.
As atividades de gestão
de continuidade são sobrepostas e acontecem em diversas ár6eas da empresa ao
mesmo tempo, precisam ser conduzidas em paralelo e de forma coordenada, sendo
que a complexidade e intensidade das ações irão variar conforme a dinâmica do
evento.
Hoje, sabemos que já
não é suficiente apenas corrigir problemas, mas, sim, exercitar constantemente
a revisão e o monitoramento dos nossos planos de contenção de acordo com a
evolução do ambiente de negócios nos quais estamos inseridos, ainda mais em
casos de crises de imagem, que tornaram-se amplificadas com o aumento na
velocidade de transferência de informações e maior consciência das comunidades,
com expectativas mais elevadas de todas as partes evolvidas com as empresas e
níveis de tolerância decrescentes, aumentando a complexidade dos ambientes de
negócios.
Alguns pontos de
atenção são importantíssimos em planos de contenção de crise: (i) ênfase no
capital humano e em sua disponibilidade, (ii) busca por ajuda mútua e
cooperação, (iii) preparo para falhas múltiplas e concomitantes, (iv)
manutenção de lupa sobre a vulnerabilidade da cadeia de suprimentos; (v)
análise dos impactos nos stakeholders, principalmente em modelos integrados e
de plataforma.
Em 2020 a VIA vendeu
cerca de R$ 3,0 bilhões na Black Friday (vs. R$ 2,2 bilhões em 2019). Este ano,
(pesquisa realizada pela empresa Conversion) espera-se um aumento de 14,7% na
intenção de compras dos consumidores em geral (em 2020, 76,5% dos brasileiros realizaram
compras na data, e para 2021 a expectativa é de 87,8%),
isso se os produtos estiverem disponíveis, uma vez que, conforme temos
acompanhado, a falta de matéria prima no mercado é generalizada.
* Estevão Seccatto Rocha é professor de Turnaround na FIA Business School. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (FEA/USP), tecnologia (Singularty University), mestrando (University of Liverpool). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), reestruturador de empresas pela KPMG e IVIX , diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia. Assessorou mais de uma centena de empresas.
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