Do Novíssimo Estatuto da Pessoa com Câncer e o Veto Desumano do Presidente da República
* Dr Marcelo Válio
O Estatuto da Pessoa com Câncer, Lei
14238/2021 entrou em vigência através da publicação da edição desta
segunda-feira passada do Diário Oficial da União.
Referido Estatuto indica como direitos
fundamentais da pessoa com câncer o diagnóstico precoce, o tratamento universal
adequado e equânime, com informações objetivas e transparentes sobre o
tratamento e doença, bem como assistência social e jurídica e prioridade no
atendimento.
Outrossim, passa a ser direito
fundamental o acolhimento pela própria família, em detrimento de abrigo ou
instituição de longa permanência, exceto para carentes. Ademais, é direito
agora a presença de acompanhante durante o atendimento e o período de
tratamento. Em caso de crianças e adolescentes doentes foi assegurado o
atendimento educacional em classe hospitalar ou em regime domiciliar, conforme
o interesse da pessoa e sua família, e nos termos do respectivo sistema de
ensino.
Além disso, a lei previu a garantia de
atendimento e internação domiciliares no âmbito do SUS.
Ainda no Estatuto houve a indicação de
objetivos e princípios em benefício dos doentes com câncer no sentido de
respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade e à não discriminação, o
diagnóstico precoce e a sustentabilidade dos tratamentos, o estímulo à
prevenção, e a promoção da articulação entre países, órgãos e entidades sobre
tecnologias, conhecimentos, métodos e práticas na prevenção e tratamento da
doença.
Assim, em resumo, a nova lei considera
como direitos fundamentais da pessoa com câncer:
– obtenção de diagnóstico precoce;
– acesso a tratamento universal,
equânime, adequado e menos nocivo;
– acesso a informações transparentes e
objetivas relativas à doença e ao seu tratamento;
– assistência social e jurídica;
– proteção do seu bem-estar pessoal,
social e econômico;
– presença de acompanhante durante o
atendimento e o tratamento;
– tratamento domiciliar priorizado;
– atendimento educacional em classe
hospitalar ou regime domiciliar, conforme interesse do doente e de sua família.
E a lei considera como deveres do
Estado:
– promover ações e campanhas preventivas
da doença;
– garantir acesso universal, igualitário
e gratuito aos serviços de saúde;
– promover avaliação periódica do
tratamento ofertado ao paciente com câncer na rede pública de saúde e adotar as
medidas necessárias para diminuir as desigualdades existentes;
– estabelecer normas técnicas e padrões
de conduta a serem observados pelos serviços públicos e privados de saúde no
atendimento à pessoa com câncer;
– estimular o desenvolvimento científico
e tecnológico para promoção de avanços na prevenção, no diagnóstico e no
combate à doença;
– promover processos contínuos de
capacitação dos profissionais que atuam nas fases de prevenção, de diagnóstico
e de tratamento da pessoa com câncer;
– capacitar e orientar familiares, cuidadores,
entidades assistenciais e grupos de autoajuda de pessoas com câncer;
– organizar programa de rastreamento e
diagnóstico que favoreça o início precoce do tratamento.
Trata-se de um excelente avanço
legislativo aos doentes com câncer, todavia e indo na contramão à ciência, a
norma sofreu um veto do presidente Jair Bolsonaro no artigo que obrigava o
Estado a garantir "o acesso de todos os pacientes a medicamentos mais
efetivos contra o câncer”.
A Secretária-geral da Presidência
justificou que esta nova obrigação ao Estado conflitaria com as atuais
diretrizes terapêuticas em oncologia. Contudo, o referido veto restringe o
tratamento através de medicação mais efetiva aos doentes e não seguirá o que
mais moderno surgir para o tratamento em âmbito mundial.
Trata-se de veto cruel e que poderá
limitar a vida de um doente com câncer.A motivação do veto é vergonhosa e
demonstra que a preocupação não é a vida do paciente com câncer, mas seguir
diretrizes engessadas em oncologia sem se preocupar com a evolução dos
medicamentos contra essa doença que é uma das que mais mata brasileiros.
Outro absurdo na justificativa do veto
presidencial era que feria o interesse público.
Assim, o veto é a explicação do
"mais do mesmo" do que o Presidente da República pensa quanto aos
direitos humanos nacionais, ignorando a ciência mais moderna no tratamento do
câncer e que poderia evitar milhares de mortes de brasileiros com câncer.
Sorte que o artigo vetado pelo
Excelentíssimo Presidente ainda poderá passar a vigorar se afastado o veto por
deputados e senadores em sessão conjunta do Congresso. Ficamos na esperança do
afastamento do veto desumano do Presidente da República.
Sobre o professor pós doutor Marcelo Válio: graduado em 2001 PUC/SP, Marcelo Válio é especialista em direito constitucional pela ESDC, especialista em direito público pela EPD/SP, mestre em direito do trabalho pela PUC/SP, doutor em filosofia do direito pela UBA (Argentina), doutor em direito pela FADISP, pós doutor em direito pelo Universidade de Messina (Itália) e pós doutorando em direito pela Universidade de Salamanca (Espanha), e é referência nacional na área do direito dos vulneráveis (pessoas com deficiência, autistas, síndrome de down, doenças raras, burnout, idosos e doentes).
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