Ferrovias do Brasil: sem Estado e em estado de abandono
José Manoel Ferreira Gonçalves*
O desgoverno da gestão
de Bolsonaro se torna cada vez mais evidente. Quem ainda nutria alguma
esperança de que haveria algum sinal de pensamento estratégico e de projeto
nacional vindos de Brasília, já desistiu. A mais nova demonstração de que o
governo federal não possui qualquer planejamento de longo prazo para o
crescimento econômico foi a tentativa de levar adiante uma Medida Provisória
para estabelecer um novo marco legal para as ferrovias.
Com a famigerada MP
1065, o Estado praticamente lavaria as mãos e entregaria os trilhos do país à
vontade da iniciativa privada. E tudo isso, pasmem, com os aplausos do
Ministério da Infraestrutura, que alguns, desavisados ou malintencionados,
insistem em apontar como exemplo de atuação e modernidade do atual governo.
De acordo com o texto
da MP, trechos ociosos de ferrovias poderiam ser explorados pela iniciativa
privada por meio de autorizações e as próprias empresas – acreditem – poderiam
se autorregular, sem interferência do Estado. Trechos sem interesse para os empresários
estariam portanto condenados ao abandono, muito provavelmente por décadas a
fio, Seria uma temeridade e, no limite, um crime de lesa-pátria,
Não é de hoje que vimos
esse filme, Com a desculpa de desburocratizar e destravar os investimentos,
abdica-se de levar adiante uma política que incentive o transporte de insumos e
manufaturados por meio dos trilhos a todas as regiões do país, e não apenas se
ocupe da exportação de grãos e minérios de ferro; uma política que permita
também a valorização do modal ferroviário no transporte de passageiros, a
exemplo de países avançados e continentais, onde as ferrovias são orgulho
nacional e protagonistas na integração entre diferentes regiões, ocupando um
verdadeiro papel social.
A natimorta MP das
ferrovias foi mais uma vergonhosa tentativa de puxadinho por parte do governo,
perpetrada por quem não quer, de fato, resolver o problema das ferrovias, mas
sim criar oportunidades.
O assunto precisa ser
alvo de discussões democráticas no Legislativo, com a participação popular. O
futuro dos trilhos do país não pode ser mais uma pauta do desastroso tratoraço
com o governo federal tem ido a campo para dilapidar o patrimônio público e os
recursos naturais da nação.
Uma oportunidade de
discussão surgiu com a iniciativa do Senado de evocar junto ao Executivo a
devolução da MP 1065, sob a justificativa de que já existe matéria na Casa – o
PLS 261/18 – que versa sobre as mesmas disposições.
Ainda que este careça
de inúmeros aperfeiçoamentos, o projeto de lei do Senado é um instrumento que
poderá ser discutido com propriedade pela sociedade civil, ao contrário do que
pretendeu fazer por meio da MP.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente, Frente Nacional pela Volta das Ferrovias.
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