Pix: porque você deve evitá-lo
Foto/Eudes Santana
Por Christiano Sobral*
A maioria dos
brasileiros tem consciência de que existem, na nossa Constituição, direitos que
são considerados fundamentais. Sua origem remete à proteção do Princípio da
Dignidade Humana, dentre estes está o presente no artigo 5o da carta
magna, inciso X, que diz: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas (…)”. Daí veio a Lei de Sigilo Bancário, na forma
da Lei Complementar 105 de 2001.
Esta, por sua vez,
garante que as instituições financeiras deverão
conservar sigilo em suas operações e serviços prestados, além de deixar claro
que, em princípio, só pode ocorrer a quebra desse sigilo por meio de
decisão judicial em casos de suspeita de ilícitos, que examinam crimes como
corrupção, terrorismo e lavagem de dinheiro. O que é dito claramente no artigo
1o, parágrafo 4º desta lei. A exceção está no artigo 6º da mesma
regulamentação, a qual autoriza, como já afirmado pelo Supremo Tribunal
Federal (RE nº 601.314/SP), que preenchidos certos requisitos, os fiscos podem
requisitar diretamente às instituições financeiras dados sobre movimentações
bancárias.
Você pode se perguntar
qual o motivo de ser dada tanta importância ao sigilo bancário no país. O que,
em minha opinião, não possui uma vertente única de resposta. Porém posso
citar o fato de que, informações como nossa renda, o que fazemos com ela,
quais são os hábitos de consumo ao longo do tempo, o local em que a armazenamos
e para quem a transferimos diz muito sobre quem somos e o que fazemos.
Os dados bancários são
como uma base de informações que falam sobre você e
registram sua vida, ter acesso livre a esse tipo de material já fere
diretamente o direito à intimidade. Mas, como adiantei, não é este o único
motivo da necessidade de sigilo bancário ser garantido às pessoas. A proteção
contra o fisco de um Estado com grande sede arrecadadora é outro ponto de
atenção.
Com pleno acesso e
controle sobre nossas transações bancárias, especialmente num formato
simplificado, centralizado e digital, elevará muito o poder de tributar o
cidadão. Previsões como impostos sobre serviços, sobre doações e
circulação de mercadoria possuem restrição em seu alcance pela própria
limitação do Estado em operacionalizá-la num formato tradicional de
movimentação financeira.
Uma única base,
dominada pelo Estado, com todas as suas transações lá postas, facilitariam
exigir do contribuinte o imposto sobre doação de toda e qualquer transferência
de valor entre pessoas físicas, que não sejam comprovadas como decorrente
de prestação de serviço. Isso apenas para dar um exemplo do poderio deste tipo
centralizado de informação.
Em uma situação
hipotética, um profissional liberal que receba uma quantia em dinheiro de uma
tia, como forma de presenteá-lo pela conclusão do doutorado, e que receba essa
transferência por meio de um Pix,
devido a agilidade e facilidade oferecidos, correrá o risco de que o valor seja
considerado “depósito de origem não comprovada”, justificando que ele sofra
autuação. Isso com base em um julgado recente do STF (RE 855.649).
A referida decisão
remete que há incidência de imposto de renda sobre os depósitos bancários
considerados como omissão de receita ou de rendimento, em face da previsão
contida no artigo 42, da Lei 9.430/1996. Esta tipifica
como rendimentos omitidos pelo contribuinte, quando este não comprove, mediante
documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.
Não se pode ignorar que
a ferramenta pertence ao Banco Central, e tem seu funcionamento atrelado a que
todas as suas transações sejam solicitadas por você,
autenticada por seu banco e registrada na plataforma para que possa ser
validado pelo banco do destinatário e se transforme em renda transferida para
este. Tudo devidamente armazenado e registrado nos servidores do Estado. Ou
seja, a cada transação realizada via Pix deveria aparecer um emoji de um rosto
sorridente e um aviso: "Sorria, você está
sendo monitorado!”.
Cada vez que esse
sistema avança, no formato de serviço atrativo e simples de usar, como agora na
modalidade saque e, em breve, no formato de compra para pagamento futuro (em
substituição do cartão de crédito), ele vai invadindo a intimidade dos usuários,
dando de mãos beijadas a informação que a lei estabelece que só se deve disponibilizar em caso de indícios
de ilícitos e se solicitada pelos órgãos competentes e pela via judicial.
Não é que inovações
assim não devam existir ou ser encorajadas, só não deveriam
pertencer ao Banco Central. Por que não serem oferecidas por sistemas de
mensagens instantâneas? Ou mesmo como inovação dos próprios bancos, o que
facilmente poderia ser obtido por meio de convênios interbancários?
Não se iluda em pensar
que o foco do Estado no Pix é
favorecer um sistema financeiro mais avançado e acessível para o país. Não tem
sentido como objetivo para a instituição. Um esforço assim é coerente para
quem busca inovar, para a iniciativa privada, como é o caso das startups.
O que o Banco Central
quer, e obtém de forma fácil e livre, é o domínio das informações sobre você, que podem ser obtidas utilizando seu
hábito financeiro. Não é à toa que o serviço é gratuito, pois o foco é ter
nas suas informações, que são valiosas, o meio de se buscar o retorno ao
investimento na tecnologia.
Portanto, acredito que devemos apoiar meios de pagamentos
alternativos, que promovam acessibilidade, desvinculados do governo e que
preservem não somente seu dinheiro, mas o direito fundamental à intimidade, seu
direito legal a sigilo bancário e a privacidade dos seus dados.
*Christiano Sobral é Diretor Executivo do Urbano Vitalino Advogados, Law Master em Direito Digital, mestre em Estratégia e especialista em marketing, finanças, economia e negócios. Advogado e administrador.
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