Retomada de voos internacionais com o avanço da vacinação pelo mundo: ainda é eficiente exigir preenchimento de Declaração de Saúde do Viajante?
Por Bruna Ambrosio Chimenti e Rafael Verdant*
Bruna Ambrosio Chimenti
Divulgação
Os impactos da pandemia, causados pelo
coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) ainda são sentidos na economia mundial,
principalmente no que diz respeito à operação das empresas aéreas
internacionais. Nesse contexto de crise, tivemos nos últimos meses uma boa
notícia para o setor, que viu o avançar da vacinação refletida na reabertura de
países para viagens de turismo, reascendendo o debate quanto à exigência do
governo brasileiro do preenchimento pelo passageiro viajante da Declaração de
Saúde do Viajante (DSV).
A DSV é um formulário que deve ser
preenchido por passageiros, brasileiros e estrangeiros, com antecedência ao
embarque de voos internacionais com destino ao Brasil. O objetivo é conhecer e
mapear possíveis infectados, monitorando de forma a evitar possíveis focos de
contaminação.
No contexto do aumento de número de casos,
no final de 2020, a Declaração de Saúde do Viajante foi pensada como um
mecanismo embrionário, e sua obrigatoriedade – lançada pela Presidência da
República por intermédio da Portaria Interministerial nº 648, de 23 de dezembro
2020 – trazia regras excepcionais e temporárias para entrada de estrangeiros no
Brasil.
Ao longo do tempo, o texto sofreu
edições, alterações e aperfeiçoamentos, transformando-se em nova Portaria
Interministerial, nº 658, de 5 de outubro de 2021, na qual mantém-se a
exigência de apresentação, pelo passageiro viajante, brasileiro ou estrangeiro,
de comprovante, impresso ou em meio eletrônico, do preenchimento da Declaração
de Saúde do Viajante, com antecedência ao embarque para a República Federativa
do Brasil.
Embora se entenda a DSV como uma
importante medida preventiva de vigilância epidemiológica, é possível concluir
que essa proteção foi pensada em um contexto, ainda, de vacinação incipiente,
ou mesmo inexistente, bem como de avanço significativo de nova cepa da doença –
para a qual era importante se lançar mão de todos os meios capazes de
restringir sua circulação.
Contudo, percebe-se uma mudança do
cenário. Em viagens internacionais, passou a ser exigido por muitos países,
também, a apresentação do certificado de vacinação, bem como do comprovante de
realização de teste para rastreio da infecção pela Covid-19, o que permite de
forma mais eficiente se rastrear e monitorar possíveis focos de contaminação.
Assim, a obrigatoriedade da apresentação
da DSV pelos passageiros, sem apuro cientifico ou responsabilidade médica,
deixa de ser eficiente para o controle epidemiológico, principalmente ao
notarmos que existem outros mecanismos mais eficientes.
Importante que seja discutida a queda de
tal exigência, ou mesmo sua flexibilização – com a possibilidade de supressão
da infração com o preenchimento da declaração pelo passageiro na chegada ao
Brasil. Essa exigência, no momento atual com o aumento do número de passageiros
e de voos diários, representa um custo significativo de diversas companhias
aéreas, que se veem responsabilizadas e autuadas pelas autoridades competentes
pelo não preenchimento, ou preenchimento incorreto por parte dos passageiros.
Hoje, a Polícia Federal, quando
notificada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de alguma
irregularidade na DSV vem responsabilizando a empresa aérea pelo embarque de
passageiros. A Polícia Federal entende que a companhia aérea não deveria
possibilitar o embarque do passageiro sem tal documentação, e aplica importante
sanção pecuniária.
Não há exigência de que o passageiro
carregue consigo a impressão das informações oferecidas à agência reguladora,
bem como não cabe à companhia aérea a guarda de tais documentos e informações,
já que não é oferecido protocolo da declaração. Não existe, hoje, qualquer
mecanismo que possibilite a companhia aérea fazer uma verificação apurada das
informações lançadas pelo passageiro.
Soma-se ao fato que o preenchimento é
feito de forma exclusivamente online, o que dificulta, em muito, o preenchimento
por uma série de passageiros que não estão familiarizados com o uso de
ferramentas eletrônicas. Mesmo que a companhia faça a verificação no momento do
check-in, após a apresentação do documento uma infinidade de situações podem
acontecer que impeçam a checagem pela Anvisa/Polícia Federal: as informações
podem ter sido forjadas pelo passageiro; o passageiro pode ter descartado ou
perdido o documento impresso; algum problema de conexão na internet pode
impedir que o passageiro acesse o documento em seu celular ou tablet; pode
haver alguma inconsistência no preenchimento de nome ou sobrenome que dificulte
a localização da informação no sistema da agência reguladora; e até mesmo o
preenchimento de informação do primeiro voo da escala, em detrimento do voo em chegada
ao Brasil.
Dentro desse contexto, não se pode
inviabilizar a operação de uma empresa aérea com a aplicação de multas severas,
que por vezes superam em muito o valor da passagem, especialmente pela
exigência de uma documentação preenchida pelo próprio passageiro, sem qualquer
apuro científico, e que já se entende prescindível em um momento de avanço da
vacinação pelo mundo. A legislação deve evoluir e atender ao seu tempo, com a
adequação aos novos cenários, permitindo-se avançar de forma inteligente com a
retomada eficiente de mercados.
Rafael Verdant Divulgação |
* Bruna Ambrosio Chimenti é graduada em Direito, Pós-graduada em Direito do Consumidor e Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui MBA pelo Insper-SP e especialização em negociação pela Harvard Law School. É Gerente Jurídica da TAP Air Portugal no Brasil / Rafael Verdant é advogado graduado pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós-graduado em Direito Processual Civil e Gestão Jurídica pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Participou em arbitragens na WIPO – World Intellectual Property Organization, Arbitration and Mediation Center, em Genebra, Suíça; e no CBMA – Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, no Rio de Janeiro; e no CAM/CCBC - Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, em São Paulo. Advogado do Albuquerque Melo.
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