Um ano de Pix: Qual o tamanho da transformação no sistema financeiro?
*Por Julián Colombo
Quando o Banco Central anunciou o novo
sistema de pagamento instantâneo brasileiro, o famoso Pix, muitas especulações
e discussões sobre qual seria o impacto dessa ferramenta no setor financeiro
começaram a surgir. Ao completar um ano de operação, já conseguimos enxergar
se, de fato, mudanças e competições previstas aconteceram? Antes de responder a
essa pergunta, acredito que seja importante lembrar que, quando estamos no
campo da economia, é difícil estabelecer com precisão o impacto de um único
evento, pois existem muitas variáveis operando ao mesmo tempo.
Só para começar, neste último ano, por
exemplo, muito mais que o lançamento do Pix, a economia enfrentou as
consequências de uma devastadora pandemia, mudanças significativas no setor
financeiro com a chegada do Open Banking, apostas expressivas de investidores
em Neobanks, entre outros fatores decisivos que afetam diretamente o
comportamento das pessoas e empresas. Por isso, fica difícil isolar o impacto
individual de um único sistema , mas me arrisco a tentar.
Analisando de uma maneira prática e
direta os efeitos do Pix no Brasil, percebemos que sim, as mudanças estão
acontecendo e temos alguns números oficiais que demonstram isso. Em seu
lançamento, muito se falou sobre os possíveis efeitos positivos na concorrência
e consequente democratização dos serviços financeiros. Um indicador muito
importante que reflete a concentração bancária de um mercado é a
porcentagem que os cinco maiores bancos de um país representam no crédito total
(ou nos depósitos). Se compararmos esse número, vemos que o Brasil, em
2016, tinha 86% de concentração. Nos últimos cinco anos, no
entanto, esse indicador tem se reduzido em sete pontos - e cada vez mais
rápido - chegando em 2021 perto de 79,5%. Ainda assim os avanços são lentos: o
País ainda é um mercado extremamente concentrado, ficando atrás apenas da
Holanda, que possui quase 90% de concentração bancária. Nos Estados Unidos esse
número está perto de 40%, já a China e Índia ficam entre 35% e 37%.
Observando a questão da aderência, o Pix
foi um sucesso absoluto e é um dos melhores casos de adoção voluntária de um
“produto” financeiro no mundo. Em um ano de funcionamento, nove a cada 10
transferências já são feitas pelo sistema e 105 milhões de pessoas, ou seja,
mais da metade da população brasileira, já usou. Num primeiro momento,
quase todas as transações no sistema eram feitas de pessoa para pessoa,
mas agora 16% já são de pagamentos a empresas. O produto está melhorando muito
e logo será possível ainda pedir troco, fazer saques e pagar parcelado. A
consequência dessas mudanças e da grande aceitação está também no
impulsionamento da concorrência. Se antes, os grandes bancos sempre tiveram
vantagens muito expressivas em suas redes de meios de pagamentos, hoje elas
perdem importância quando existe uma alternativa mais rápida, confortável,
barata e segura e, principalmente, que qualquer banco de médio e pequeno porte
podem oferecer.
Dentro deste cenário de mudanças no
último ano, a pandemia também foi fator determinante para a concorrência
financeira e não só no Brasil, mas especialmente aqui. Os grandes bancos
brasileiros tiveram historicamente redes de distribuição e atendimento
gigantescas, em consonância com o tamanho do país. Há 20 anos, teria sido
impossível para um banco sem agências capturar clientes. Mas a tecnologia foi
desenvolvida e algumas pessoas, que chamamos de early adopters (primeiros a adotar), começaram
a migrar para os canais digitais dos grandes bancos, e depois para Fintechs e
Neobanks. A pandemia gerou um problema logístico que fez com que a parcela que
não confiava, gostava e/ou entendia os canais digitais foi obrigada a os
adotar. Essa mudança forçada acabou acelerando o processo de
digitalização, o que equaliza hoje o poder de um banco com 5 mil agências
com um que não possui nenhuma e está apenas no ambiente digital.
Ainda sobre concorrência, não podemos
deixar de citar outros exemplos que estão impactando o mercado e ainda terão
uma parcela grande nas futuras mudanças dentro do setor financeiro. Os Neobanks
possuem recursos enormes para concorrer com os grandes bancos, podendo investir
muito mais em publicidade e desenvolvimento tecnológico. Isso porque eles não
se importam com o lucro na mesma medida que os bancos tradicionais. Os
investidores dos grandes bancos exigem rentabilidade, é claro, mas os investidores
dos neobanks querem crescimento de market
share, qualidade de atendimento, etc. Ou seja, permitem que eles
possam baixar os preços a níveis que os concorrentes diretos não podem
acompanhar.
Com tantos eventos e acontecimentos
neste ano que passou, a mudança em geral está sendo possível graças à parcela
de responsabilidade de cada uma delas, seja Pix, Pandemia, Open Banking e
Neobanks. O fato é que todos incentivam um mercado mais competitivo, o que
desempenha um papel fundamental para a economia do País.
*Julián Colombo é economista com mais de 20 anos de carreira em banco, também é co-fundador e CEO da N5, empresa de software dedicada à transformação digital no setor financeiro.
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