Decisão de Fux sobre boate Kiss é midiática, diz jurista
O presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, suspendeu, na noite desta
terça-feira, o habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul aos quatro condenados pela tragédia da boate Kiss e determinou que eles
cumpram imediatamente as penas, que variam de 18 a 22 anos de prisão, a eles
impostas pelo Tribunal do Júri. Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro
Hoffmann e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos
Santos e Luciano Bonilha Leão foram condenados por homicídio e tentativa de
homicídio simples por dolo eventual pelo incêndio que resultou na morte de 242
pessoas e deixou outras 636 feridas em janeiro de 2013, uma das maiores
tragédias brasileiras.
Até a manhã
desta quarta-feira, dois dos réus já haviam se apresentado à Justiça e os
outros dois afirmaram que se apresentariam para cumprir a decisão do STF.
A jurista e mestre em Direito Penal,
Jacqueline Valles, avalia que a suspensão contraria o que diz a
Constituição Federal em seu artigo 5º e afirma que a decisão tem caráter
“midiático e populista”.
“Os requisitos para a prisão preventiva estabelecidos no artigo 312 do Código
de Processo Penal (CPP) não se aplicam ao caso dos réus em questão. Pela lei, a
prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade
de recursos, se justifica pelo perigo imposto à sociedade e risco de fuga, por
exemplo. Os quatro aguardam o andamento do processo em liberdade há 8 anos e
nunca fugiram e nunca representaram ameaça à sociedade nesse período”,
analisa.
Na decisão,
Fux diz que considerou a “altíssima reprovabilidade social das condutas dos
réus, a dimensão e a extensão dos fatos criminosos, bem como seus impactos para
as comunidades local, nacional e internacional”. “Quando uma tragédia como essa acontece,
há um grande clamor popular por Justiça, mas as decisões do Judiciário devem se
nortear pelas leis vigentes no nosso país”, comenta
Jacqueline, do escritório Valles & Valles.
Réus foram condenados pela morte de 242 pessoas
e 636 tentativas
de homicídio na boate
(Foto: Fernando Frazão/ Fotos Públicas)
A jurista conta que o
dispositivo que prevê, no Pacote Anticrime, a prisão após a condenação em
primeira instância – e que foi usado para justificar a prisão imediata dos réus
- está sendo discutido quanto à sua constitucionalidade. “Esse artigo contraria o artigo 5º da
Constituição Federal, que versa sobre o direito à ampla defesa e prevê a prisão
quando se encerram as possibilidades de recursos. O próprio STF já definiu
anteriormente que a prisão antes do trânsito em julgado tem que ser definida
com base no artigo 312 do CPP”, diz.
Jacqueline
avalia que o habeas corpus preventivo concedido aos réus pelo TJ-RS segue os
critérios previstos em lei. “O
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fez exatamente o que a lei e a
Constituição esperam. Não há o que se questionar nesse habeas corpus. O que
aconteceu em Santa Maria foi uma das maiores tragédias brasileiras, mas
enquanto o Brasil viver uma democracia regida por uma Constituição e com uma
ampla legislação, é preciso fazer Justiça com base nas leis. O que se busca, em
uma sociedade saudável, é a punição com a Justiça, não uma vingança”,
afirma.
Jacqueline Valles é jurista e mestre em Direito Penal
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