Escrow accounts para indenização do comprador não está sujeito à tributação pelo vendedor
Divulgação Cescon Barrieu
*por Hugo Barreto Sodré Leal
Em sessão realizada em 13.08.2021, o
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu, corretamente, que “Não configura acréscimo patrimonial e,
portanto, não integra o ganho de capital a parcela do valor da alienação,
incluindo eventuais atualizações, que tenha sido destinada, por expressa
previsão contratual, a pagamento de passivos pendentes da participação societária
alienada”.
O caso envolveu a venda de participações
societárias de três pessoas físicas para a Editora e Distribuidora Educacional
(EDE), subsidiária da Kroton Educacional. Conforme previsto no contrato de
compra e venda das participações societárias (normalmente conhecido como Stock
Purchase Agreement ou SPA), parte do preço acordado foi retido e depositado
pela compradora em uma conta bancária de movimentação restrita (Escrow), como o
objetivo de servir de garantia em relação a demandas em curso contra a
empresa-alvo (contingências) que pudessem eventualmente ensejar uma obrigação
de “indenização” à compradora. Esses valores deveriam ser liberados para os
vendedores apenas caso as contingências previstas não se materializassem, sendo
resolvidas de maneira favorável para empresa-alvo.
Posteriormente, algumas contingências
tributárias se materializaram, razão pela qual as partes celebraram um Termo de
Transação para Quitação de Contingências Fiscais, onde se acordou que a
totalidade do Escrow deveria ser utilizada para a sua quitação. Embora a
própria Fiscalização tenha considerado que os valores do Escrow não deveriam
ser tributados pelos vendedores enquanto mantidos na conta vinculada, adotou a
interpretação de que, com a utilização dos recursos depositados para o
pagamento da “indenização” devida, teria havido, então, a disponibilidade
jurídica e econômica desses recursos para os vendedores, devendo o valor do
Escrow ser computado para fins de apuração do ganho de capital tributável. Em
resumo, as autoridades fiscais trataram a utilização do Escrow para o pagamento
da indenização devida ao comprador como uma forma de disponibilização dessa
parte condicional do preço para os vendedores.
De maneira correta, o CARF deu
provimento ao recurso voluntário do contribuinte, tendo considerado que o valor
do Escrow utilizado para fins da indenização não configurou acréscimo
patrimonial para os vendedores. Na verdade, o valor depositado em Escrow tem a
natureza de preço condicional e somente deve ser computado para fins de
apuração de ganho de capital nas hipóteses em que for futuramente liberado para
os vendedores, o que não aconteceu no caso em questão. Se a própria RFB
reconheceu que essa parte do preço não estava sujeita à tributação quando o
valor foi depositado em Escrow, uma vez que o vendedor tinha apenas uma
expectativa de receber esse valor no futuro, não faz qualquer sentido pretender
tributar esse valor quando, em razão da materialização das perdas previstas no
contrato, ele foi devolvido ao comprador, ainda que a título de pagamento de
“indenização”, jamais tendo sido efetivamente disponibilizado ao vendedor.
A decisão proferida está em linha com os
outros precedentes do CARF e com soluções de consulta da própria RFB. Na
verdade, a conversão do Escrow em indenização tem a natureza de uma redução do
preço. Assim, do memo modo que o valor devolvido ao comprador não integra o
ganho de capital apurado pelo vendedor, também implica em uma redução do custo
de aquisição pago pelo comprador, inclusive para fins de apuração de ágio
(goodwill).
Como quer que seja, no caso em questão,
o valor depositado em Escrow jamais foi entregue aos vendedores, não tendo
ocorrido a disponibilização econômica ou jurídica da renda (CTN, art. 43). No
caso concreto, os vendedores eram pessoas físicas, sujeitas ao regime de caixa,
mas ainda que se tratasse de pessoa jurídica, a conclusão não deveria ser
diferente, pois não houve disponibilidade dessa parcela do preço.
Na Solução de Consulta COSIT 3/2016, a
RBF manifestou o entendimento de que apenas o preço efetivamente pago pode ser
considerado para fins de determinação do custo de aquisição, tendo tratado essa
parte do preço como sujeita a uma condição suspensiva. Então, por uma questão
de coerência lógica, na hipótese em que o Escrow tenha sido devolvido ao
comprador em razão da verificação das perdas ao qual estava contratualmente
vinculado, não faz sentido considerar que esses valores teriam sido
“disponibilizados” para o vendedor. No mesmo sentido, na Solução
de Consulta nº 59 da SRRF04/Disit, a RFB também já considerou que inexiste
disponibilidade econômica ou jurídica para o vendedor até que ocorra a
liberação dos recursos, o que não ocorreu no caso concreto.
Em conclusão, independentemente da
terminologia utilizada pelas partes, não é correto tratar o preço estipulado no
SPA e a utilização do Escrow para fins “indenização” relativa a eventuais
contingências como se envolvessem pagamentos totalmente independentes para fins
tributários, pois correspondem a cláusulas contratuais intimamente
relacionados. A rigor, o valor do Escrow tem a natureza de preço sujeito a
condição e somente deve ser tributado como ganho de capital se e quando for
disponibilizado para o vendedor, ou seja, caso não se verifique qualquer perda
na empresa-alvo, passível de “indenização” pelos vendedores, que impacte
negativamente o preço originalmente acordado entre as partes.
*Hugo Barreto Sodré Leal é Sócio na área de Tributário do Cescon Barrieu Advogados
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