É preciso combater o gigantismo da máquina pública
*Samuel Hanan
Voltou à pauta, no Congresso Nacional, a
proposta de criação do estado do Tapajós, a partir da divisão do estado do
Pará, objeto de projeto de lei em discussão na Comissão de Constituição de Justiça
(CCJ) do Senado. A ideia não é nova – já foi rejeitada pela população paraense
em plebiscito realizado em 2011 – e remete a uma discussão maior: a questão do
gigantismo da máquina pública brasileira.
Segundo a proposta do senador
Siqueira Campos (DEM-TO), o novo estado do Tapajós ocuparia 43% do atual
território do Pará, cerca de 538 mil km², e teria 23 municípios, onde vivem
hoje cerca de 1,05 milhão de habitantes. O Produto Interno Bruto da região é de
R$ 18 bilhões, segundo dados de 2018.
Os defensores do projeto defendem
que a população da região do novo estado não é beneficiada pela pujança
econômica do Pará e precisa ser melhor atendida. É uma pretensão legítima, mas
pouco se fala do custo dessa medida. O estado do Tapajós teria 3 senadores, 8
deputados federais e 24 deputados estaduais. Isso significa a criação de uma
Assembleia Legislativa, com todas as despesas inerentes ao órgão. No Executivo,
haveria um governador, um vice-governador, cerca de 20 Secretarias de Estado –
com seus titulares, adjuntos, chefes de Gabinete e assessores. Demandaria,
ainda, a criação de Departamentos, Polícia Militar, Polícia Civil, estatais,
autarquias e tantos outros órgãos estaduais, além de Tribunal de Contas do
Estado, Ministério Público Estadual, Justiça Estadual e postos da Justiça
Federal.
É imensa a estrutura necessária
para a criação de um novo estado. Prédios, funcionalismo, veículos oficiais,
mobiliário, maquinário, equipamentos, redes lógicas, insumos, combustível,
consumo de água, energia elétrica, telefone e internet, eis uma nova máquina
pública para consumir os recursos advindos dos impostos pagos pela população.
Matematicamente falando, em uma fração em que o numerador (as receitas
tributárias) permanece igual e o denominador é aumentado (mais estados e
maiores custos da máquina pública), temos como consequência inexorável menor
quociente (serviços à população).
Resultado que não interessa ao
brasileiro. Levar adiante a proposta de criação de mais um estado
significa darmos outro passo na direção errada. Basta tomarmos como exemplo a
farra da criação de municípios ocorrida após a promulgação da Constituição de
1988. Quando a Constituição Cidadã entrou em vigor, o Brasil tinha 4.128
municípios. No ano 2000, portanto apenas 12 anos depois, esse número passou
para 5.507 municípios. E hoje temos 5.570. Assistimos, inertes, à germinação de
máquinas públicas caras, quase sempre ineficientes, e sem capacidade de se
auto-sustentar. É simples: 66,7% dos municípios brasileiros têm população
inferior a 8.400 habitantes e, desses, a maioria é dependente de repasses do
governo federal (FPM: IR e IPI) e dos governos estaduais (ICMS e IPVA). Apenas
71 cidades são responsáveis por 50% do PIB o que significa, em leitura
inversa,que 5.499 cidades ficam com os 50% restantes.
A realidade é que o dinheiro do cidadão
acaba sendo utilizado para custear essa anomalia. O Atlas dos Estados
Brasileiros 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que
o Brasil gasta 13,4% do PIB nacional com os servidores públicos. Desse total,
os estados respondem por 5,31% do PIB (outros 4,74% são dos municípios e 3,35%,
da União). É um volume enorme de recursos. Tomando-se por base o PIB 2020, de
R$ 7,4 trilhões, temos R$ 991,60 bilhões comprometidos somente com as despesas
relativas ao funcionalismo público.
Outro dado alarmante: no período entre
2003 a 2015, o custo da máquina pública cresceu 125% em valores reais – já
deflacionados pelo IPCA -, enquanto a variação do PIB foi de apenas 44,65%. Boa
parte disso é resultado de aumentos salariais muito acima da inflação, sem
nenhuma correlação sobre produtividade e crescimento do PIB, penduricalhos para
burlar o teto salarial de R$ 39,2 mil/mês, pagamentos de diárias, indenizações,
gratificações e auxílios diversos.
Em outra ponta, professores, médicos e
outros profissionais da saúde e agentes da segurança pública continuam tendo
remuneração não condizente com a relevância dos serviços que prestam.
A distorção é inaceitável. Em 2019,
segundo os números oficiais, os gastos com a máquina pública, proporcionalmente
ao PIB nacional, superaram os investimentos em educação (6%), saúde (3,9%) e
saneamento (0,21%). Tais despesas somaram 10,1% do PIB, bem menos que os 13,4%
consumidos com a máquina administrativa.
Trata-se de um modelo equivocado e
nefasto à nação. Os tributos precisam ser destinados para as atividades-fim
(Educação, Saúde, Segurança, Habitação e Infraestrutura) e não para
atividades-meio (custeio das máquinas administrativas).
É necessário olharmos o País sob outra
ótica. A recorrente justificativa dos governos de que sofremos com a escassez
de recursos financeiros não pode mais ser aceita, porque é irreal. O problema
do Brasil não é a falta de recursos, mas o gigantismo do Estado, que não cabe
mais no PIB nacional. O Estado arrecada muito, porém gasta mal e esta é uma das
razões para o cenário nacional de serviços públicos escassos, de má qualidade,
acessíveis apenas a uma parte da população.
Reduzir o tamanho do Estado, combater a
corrupção, acabar com os privilégios, reduzir as desigualdades sociais e
regionais, promover as reformas política e tributária, estabelecer um plano de
metas e refundar o princípio federativo são as verdadeiras necessidades do
Brasil.
Qualquer iniciativa contrária a essas
premissas não contribuirá para o País reencontrar o rumo do desenvolvimento e
melhorar a vida dos cidadãos. Toda a população merece ser bem atendida pelo
Estado, independentemente da região onde viva. Entretanto, aumentar despesas
não é o melhor caminho para se atingir esse objetivo. Colocar mais uma estrela
na bandeira nacional está muito longe das prioridades nacionais.
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*Samuel Hanan é engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças; empresário e ex-vice-governador do Amazonas (1999-2002)
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