A apressada privatização dos portos ameaça a soberania e precisa ser democraticamente discutida. O que acontece em Santos, o maior porto do país, vale para o Brasil
José Manoel Ferreira Gonçalves*
Um país estagnado, que se exime de um projeto nacional de desenvolvimento e
prefere entregar de bandeja o patrimônio público para a iniciativa privada. Esse é o
retrato do Brasil atual. Exemplo dessa gestão estreita é a propalada privatização do
porto de Santos, com o anúncio de que estará aberta até o dia 16 de março a
consulta pública com estudos técnicos e jurídicos sobre o assunto. Após essa etapa,
serão emitidas as minutas de edital e contrato, a serem submetidas e avaliadas pelo
TCU.
A expectativa do governo é realizar o leilão ainda em 2022, prevendo um período de
concessão de 35 anos, com mais cinco prorrogáveis. O plano é vender a
participação federal e realizar uma concessão para a administração do serviço
portuário. Em resumo, vamos abdicar a soberania sobre o porto. É como deixar de
ter controle sobre a Marinha, a autoridade aduaneira.
Trata-se de um dos mais importantes e estratégicos ativos do país. A área de
influência econômica do porto engloba mais de 50% do PIB do Brasil e 49% da
produção nacional. Declinar de seu controle é dizer "amém" à falta de protagonismo
econômico e político. Seria mais prático recriar as capitanias hereditárias.
Para a Baixada Santista, será mais um duro golpe. Há décadas a região vem
perdendo sua importância econômica, fruto da apatia política de seus dirigentes. A
recuperação do porto exerceria uma influência primordial na recuperação da
Baixada. Mas, ao que tudo indica, se a população não reagir, as decisões sobre o
futuro do porto ficarão a cargo das empresas que o arrematarem em leilão.
Para completar, não se sabe ao certo quando haverá audiência pública presencial
para o rito de privatização já instalado.
É urgente que o assunto seja amplamente discutido, sem afoiteza, com toda a
transparência possível. O debate precisa pautar o processo e evitar que o bem
comum seja prejudicado.
Felizmente, movimentos populares estão mobilizados para não permitir que o
açodamento das autoridades e a falta de transparência do governo ditem os rumos
de nossos portos e venham dilapidar o patrimônio público.
Uma decisão da Justiça Federal em primeira instância, publicada no dia 4 de
fevereiro, determinou a suspensão da audiência pública marcada para o próximo dia
7.02, em que se daria mais um passo para a desestatização do porto de São
Sebastião.
O argumento acatado pela 1ª Vara Federal de Caraguatatuba diz respeito a uma
ação civil pública impetrada por federações e sindicatos de trabalhadores portuários,
que, com toda a razão, alegam que não foi dada a devida publicidade e acesso à
documentação a ser discutida.
Esperamos que decisão semelhante também seja tomada em relação ao processo
do Porto de Santos, que, por enquanto, evolui sob a névoa da privatização iminente,
sem espaço para questionamentos.
Precisamos de uma agenda econômica sólida para o Brasil e a Baixada Santista. A
venda do porto é um erro, que contradiz e invalida qualquer política pública voltada
para o desenvolvimento nacional e regional.
Precisamos de um porto vibrante, com o melhor serviço e menor tarifa, sob o
controle e incentivo do Estado, que não deveria almejar lucro, mas sim a expansão
econômica advinda da competitividade das empresas, com mais emprego e
melhores salários.
O Brasil e a Baixada Santista devem ser respeitados. Sua gente merece um futuro
melhor.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e escritor. Presidente da FerroFrente
(Frente Nacional pela volta das Ferrovias) e da Associação Guarujá Viva (Aguaviva).
Diretor da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) e da Confederação Nacional
dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU)
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