Crime de desacato viola direitos, afirma Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao acolher denúncia da DPU
Para o órgão, condenação viola direitos
fundamentais como a liberdade de expressão
A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou Relatório de Admissibilidade
(nº 358/21) favorável à denúncia feita pela Defensoria Pública da União (DPU)
contra o Estado brasileiro por violações aos direitos humanos em virtude de
condenações pelo crime de desacato. A publicação aconteceu na última
segunda-feira (21/02).
De acordo com o
relatório, o crime de desacato, tipificado no Art. 331 do Código Penal
Brasileiro, não é compatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos
(CADH), o "Pacto de San José da Costa Rica", da qual o Brasil é
signatário.
Por esse instrumento,
incorporado no país com status supralegal desde 2004, a condenação fere
direitos fundamentais como a liberdade de expressão.
Na DPU, a denúncia à
CIDH foi feita a partir de um caso individual pelo defensor público federal de
Categoria Especial Claudionor Barros Leitão e acompanhada, desde 2018, pela
Assessoria Internacional (AINT), chefiada pelo subdefensor público-geral
federal, Jair Soares Júnior.
Com a admissibilidade
aprovada, o caso vai ter análise de mérito pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, podendo ser remetido, posteriormente, para julgamento pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Não há previsão regulamentar sobre
quando será decidido o mérito da questão.
"O que se está
buscando na ação admitida pela CIDH é o reconhecido de que o Estado não pode
ser tratado em posição de superioridade ao indivíduo, limitando a expressão de
ideias ou opiniões que são contrárias aos governantes constituídos, uma vez que
as leis que penalizam a expressão de ideias que não incitam violência são
incompatíveis com a liberdade de expressão e pensamento”, explica Soares.
De acordo com o
defensor, não se trata de autorizar os particulares a ofender a honra ou a
dignidade de funcionários públicos, mas sim o reconhecimento da violação ao
direito humano da liberdade de expressão e do pensamento. Ele destaca ainda que
há tipificações no ordenamento jurídico que protegem qualquer brasileiro dos
crimes contra a honra, como injúria e difamação.
“O Estado, a partir da
necessidade de proteção da honra dos funcionários públicos, não pode oferecer,
injustificadamente, um direito à proteção não oferecido aos demais integrantes
da sociedade, acarretando violação ao direito de liberdade de pensamento e
expressão”, afirma.
Excesso de condenações
Para
subsidiar a discussão na Comissão, a Coordenação de Apoio à Atuação no Sistema
Interamericano de Direitos Humanos da DPU (CSDH), com auxílio do defensor
público interamericano Leonardo Magalhães, elaborou pesquisa sobre o histórico
de condenações pelo crime de desacato no Brasil.
O estudo evidencia, por
amostragem, considerando processos do Tribunal de Justiça de São Paulo, no período
entre janeiro a junho de 2021, a sistemática condenação de indivíduos pelo
crime de desacato, em comparação aos poucos casos de absolvição, que não
ultrapassam 8% nesse período.
Soares alerta que os
casos de condenação pelo crime de desacato tendem a aumentar após o julgamento
procedente, em junho de 2020, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da ação de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 496/2015, proposta
pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na ocasião, o STF
fixou a tese de constitucionalidade e convencionalidade do crime de desacato. A
DPU atuou como Amicus Curiae nesta ADPF, defendendo a incompatibilidade do
crime de desacato previsto na legislação brasileira com a Convenção Americana
de Direitos Humanos.
“Na prática, ocorrerá o
efeito multiplicador das decisões condenatórias nas demais instâncias do Poder
Judiciário, pois os magistrados brasileiros devem adotar o entendimento
vinculante do Supremo Tribunal Federal. Assim, não podem absolver o réu por atipicidade
de conduta em caso de delito de desacato com fundamento na
inconstitucionalidade ou na inconvencionalidade do delito", estima o
defensor.
Leia aqui a íntegra do relatório de admissibilidade da denúncia pela CIDH.
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