O Telegram e a liberdade de expressão em ano eleitoral
Por Francisco Gomes Júnior
A politização atingiu o mais elevado
nível no país, o que torna a análise técnica de muitos temas sujeita a
pré-julgamentos. Mas, este não é um artigo político, é uma abordagem jurídica
analisando as mídias sociais que permitem a emissão de opiniões textuais, como
o Twitter e o Telegram, por exemplo. Em outras palavras, é um texto que leva em
consideração as nossas leis e princípios constitucionais e não nossa opinião
pessoal.
A iniciar pela Constituição Federal, a
liberdade de expressão é consagrada como princípio legal. Todos têm o direito
de emitir livremente suas opiniões, de manifestar-se da forma que quiserem. Mas
o próprio texto constitucional impõe alguns limites. O art. 5º em seu inciso IV
diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Essa
é, portanto, a primeira regra, manifeste seu pensamento livremente, mas
identifique-se.
O segundo ponto destacado na
Constituição no inciso X do próprio art. 5º estabelece a proteção à nossa
intimidade, privacidade, honra e imagem. E todos sabem, a Carta Magna também
veda qualquer tipo de discriminação por raça, cor, gênero, origem, classe
social e religião. Dessa maneira, se eu tenho o direito fundamental de ser
livre ao expressar-me, tenho como limite o respeito aos outros direitos
protegidos constitucionalmente.
Fica bastante claro e de forma objetiva
no texto legal que a liberdade de expressão não é absoluta. E isso, repito, não
é questão de opinião, é o que está estabelecido na legislação.
Podemos sinteticamente dizer então que
posso expressar meu pensamento livremente, mas devo identificar-me e não posso
ferir direitos protegidos na Constituição. E como todos somos iguais, todos
devemos cumprir as leis. Mas como garantir que manifestações não incentivem
crimes, discriminações ou que sejam anônimas nas redes sociais? A melhor
resposta é a de que as próprias redes devem atentar ao cumprimento da
legislação vigente nos países onde operam, ou seja, a primeira regulação é a
auto regulação e temos visto, ainda que de forma ainda insuficiente, que a
maior parte das redes busca depurar os conteúdos disponibilizados, inclusive
abrindo canais para denunciar posts abusivos.
Há alguns anos, o WhatsApp foi bloqueado
no país por alguns dias por uma decisão judicial. Na época, o aplicativo se
negava a colaborar com as autoridades policiais e judiciais alegando que
deveria preservar o sigilo dos usuários. E certamente deve, mas quando se trata
de ordem judicial, deve-se cumpri-la e recorrer caso não concorde. Na época,
havia uma investigação criminal e foram requisitadas conversas de WhatsApp dos
supostos criminosos, que, inclusive, estavam com uma pessoa sequestrada. Como
houve a recusa em cumprir a decisão, o aplicativo foi bloqueado. Após esse
incidente o WhatsApp passou a agir de forma diferente, o Facebook (dono do
aplicativo) estabeleceu escritório no país e passou a colaborar e atender as
ordens judiciais.
Agora, alguns anos depois, temos uma
discussão similar envolvendo o Telegram, um aplicativo russo de mensagens
fundado em 2013 pelos irmãos Nikolai e Pavel Durov. O Telegram encontra-se
sediado nos Emirados Árabes, em Dubai, e promete liberdade de expressão total à
limitação de outras plataformas. Por esse motivo, muitos perfis que tiveram
limites impostos em redes como Twitter ou aplicativos como WhatsApp migraram
para o Telegram.
E o debate se estabeleceu. O Telegram
não tem qualquer representação no país, logo não há nem como encontrá-lo e
intimá-lo para o cumprimento de uma ordem judicial. Assim, ordens judiciais
serão simplesmente ignoradas, e ainda, se os princípios constitucionais de
vedação de anonimato e proteção da intimidade, privacidade e honra forem
desobedecidos, não há como responsabilizar a plataforma.
Mas então o Telegram sofrerá censura?
Sob o ponto de vista aqui abordado, não. Todas as empresas se sujeitam a
cumprir as nossas leis e o que se espera é que o Telegram também as cumpra. A
solução ideal, aquela que em nada interferiria nos serviços, seria o
estabelecimento de um escritório de representação no país para o atendimento
das ordens judiciais, mas, até este momento, isso não aconteceu e nem há sinal
de que possa acontecer. Diante dessa recusa do Telegram, o que as autoridades
poderão fazer?
O que se tem notícia é que o STF
(Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vêm tentando
contato com a empresa para estabelecer termos de cooperação, mas sem sucesso.
Diante desse impasse e em não havendo nenhum avanço em qualquer tipo de diálogo
parece evidente que caminharemos para um dos dois tipos possíveis de decisão:
ou nada se faz e o serviço permanece operando como o faz atualmente, ou, sem
alternativa e diante do descumprimento de ordens judiciais, se suspenda a
operação do Telegram, como se fez há alguns anos com o WhatsApp (e desde que
tecnicamente a possibilidade se mostre viável), até que os preceitos legais
sejam respeitados.
Particularmente, entendo que nenhuma das
duas decisões seja adequada. Se não podemos deixar um serviço sem limite e com
risco de desrespeito às leis, também não é razoável ter que chegar a uma medida
extrema de suspensão ou bloqueio, não é algo que se queira em uma sociedade
livre e de mercado.
De qualquer forma, a decisão não pode
ser casuística. Deve haver uma regra igual para todos os aplicativos a ser
sempre seguida. A decisão não é apenas para um ano eleitoral, é para toda vida
e vai muito além de qualquer eleição ou qualquer político. Voltando ao início
do texto, em um momento extremamente politizado acho necessário um esforço de
todos para abstrairmos o cenário político e pensarmos na proteção dos nossos
dados, de nossa honra, nossa privacidade e intimidade, nossos direitos
fundamentais, que vão além das preferências políticas e devem ser respeitados
em qualquer governo.
Francisco Gomes Júnior - Sócio da OGF Advogados. Especialista em Direito Digital e Crimes Cibernéticos. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Instagram: https://www.instagram.com/franciscogomesadv/
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