Sociedade Anônima do Futebol e sua regulamentação
*Por: Renata Homem de Melo e Cindy Sofia Lai
A Lei n° 14.193, de 6 de agosto de 2021,
criou a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e trouxe em sua regulamentação
normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de
financiamento da atividade futebolística e tratamento dos passivos das
entidades de práticas desportivas.
Mas o que é exatamente a SAF? SAF é uma
sociedade, de natureza empresarial (ao contrário dos clubes de futebol que a
grande maioria são constituídos como associações sem fins lucrativos), cuja
atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino,
em competições profissionais, e está sujeita às regras específicas da Lei
14.193/2021 e, subsidiariamente, às disposições da Lei nº 6.404/1976 (“Lei das
S.A.”) e da Lei nº 9.615/1998 (“Lei Pelé”).
Assim, dentre as atividades de uma SAF
estão compreendidas: ações de fomento e desenvolvimento de atividades
relacionadas com a prática do futebol; formação de atletas profissionais de
futebol e obtenção de receitas decorrentes da transação dos seus direitos
econômicos; exploração dos direitos de propriedade intelectual; e exploração
econômica de ativos sobre os quais tenha direitos.
Conforme previsto na Lei 14.193/2021,
uma SAF poderá ser constituída por uma das três formas: pela transformação do
clube ou sociedade empresarial dedicada ao fomento e à prática do futebol
(“Pessoa Jurídica Original”); pela cisão do departamento de futebol do clube ou
Pessoa Jurídica Original e transferência do seu patrimônio relacionado à
atividade futebol; ou pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo
de investimento.
Em relação ao capital social, a
integralização pelo clube ou Pessoa Jurídica Original poderá ser feita por meio
da transferência à SAF de seus ativos, tais como nome, marca, dísticos,
símbolos, propriedades, patrimônio, ativos imobilizados e mobilizados,
inclusive registros, licenças, direitos desportivos sobre atletas e sua
repercussão econômica.
Contudo, para fins de governança da SAF,
algumas restrições foram determinadas: o acionista controlador da SAF não
poderá deter participação, direta ou indireta, em outra SAF; na hipótese de
algum acionista deter 10% ou mais do capital votante ou total da SAF, sem a
controlar, se participar do capital social de outra SAF, perderá o direito a
voz e a voto nas assembleias gerais e não poderá participar da administração
destas, de nenhuma forma.
Para a administração da SAF são
obrigatórias a existência e o funcionamento permanente de um Conselho de
Administração e de um Conselho Fiscal (como paralelo, vale saber que em uma
sociedade anônima de capital fechado o conselho de administração não é
obrigatório e a instalação do conselho fiscal não é permanente).
Ainda, a Lei 14.193/2021 elenca os
cargos e pessoas que não poderão ser integrantes dos Conselhos de Administração
e Fiscal ou Diretoria da SAF, em razão de colidência de interesses, tais como:
atleta profissional de futebol com contrato de trabalho desportivo vigente;
membro de qualquer órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem
como de órgão executivo, de outra SAF; treinador de futebol em atividade com
contrato celebrado com clube, Pessoa Jurídica Original ou SAF; membro de
qualquer órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão
executivo, de clube ou Pessoa Jurídica Original, salvo daquele que deu origem
ou constituiu a SAF; árbitro de futebol; membro de órgão de administração,
deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de entidade de
administração.
Para fins de transparência, vale
observar que a SAF também deverá informar o seu beneficiário final e nos casos
em que um sócio pessoa jurídica detiver participação igual ou superior a 5% do
capital social da SAF deverá informar tanto a SAF, como à entidade nacional de
administração do desporto, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o nome,
a qualificação, o endereço e os dados de contato da pessoa natural que, direta
ou indiretamente, exerça o seu controle ou que seja a beneficiária final, sob
pena de suspensão dos direitos políticos e retenção dos dividendos, dos juros
sobre o capital próprio ou de outra forma de remuneração declarados, até o
cumprimento desse dever.
Ainda em relação à transparência e em se
tratando de sociedade anônima, a Lei 14.193/2021 estabeleceu que a SAF que
tiver receita bruta de até R$ 78 milhões poderá realizar todas as publicações
obrigatórias por lei de forma eletrônica, mantendo em site pelo prazo de 10
anos, formato esse que traz uma relevante economia.
Na seara tributária, destaca-se uma
inovação trazida pela Lei 14.193/2021, sendo a criação do Regime de Tributação
Especial do Futebol (TEF) que unificou vários tributos federais, quais sejam o
Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); Contribuição para os
Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público
(Contribuição para o PIS/Pasep); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e a
contribuição destinada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em um
único imposto com alíquota mensal, nos cinco primeiros anos, de 5% e a partir
do sexto ano de 4%, sendo que nos cinco primeiros anos a alíquota incidirá
sobre todas as receitas da SAF, exceto sobre a cessão de direitos de atletas,
que a partir do sexto ano, passa a ser incluída.
Outra novidade da norma e relevante para
este setor é a possibilidade de captação de recursos através emissão de
debêntures pela SAF, denominadas “debêntures-fut”, que possuem como
características: (i) remuneração por taxa de juros não inferior ao rendimento
anualizado da caderneta de poupança, permitida a estipulação, cumulativa, de
remuneração variável, vinculada ou referenciada às atividades ou ativos da SAF;
(ii) prazo igual ou superior a dois anos; (iii) vedação à recompra das
debêntures-fut pela SAF ou por parte a ela relacionada e à liquidação
antecipada por meio de resgate ou pré-pagamento, salvo na forma a ser
regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários; (iv) pagamento periódico de
rendimentos; e (v) registro das debêntures-fut em sistema de registro
devidamente autorizado pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores
Mobiliários, nas suas respectivas áreas de competência.
Dessa maneira, com a vigência da lei, o
futebol brasileiro que enfrenta grandes desafios com a gestão pouco
profissional dos clubes e poucas formas de financiamento, passa a ter uma luz
no fim do túnel, sendo possível ao clube de futebol a sua formação como
empresa, com suas peculiaridades, tais como sua estrutura societária e de
governança, estrutura tributária e as formas para a captação de recursos no
mercado e obtenção de parceiros econômicos.
As alternativas para a formação de uma
SAF lembram o movimento que ocorreu com as instituições de ensino superior há
mais de 20 anos, quando foi permitida a transformação de sociedades sem fins
lucrativos em sociedades com fins lucrativos. Ainda que os avanços trazidos
pela Lei 14.193/2021 não sejam garantia de sucesso, é uma boa oportunidade para
os clubes se reorganizarem em todos os sentidos.
*Renata Homem de Melo e Cindy Sofia Lai são sócias da área Societário e M&A do FAS Advogados
Cindy Sofia Lai |
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