A Batalha do DIFAL ICMS
Operações interestaduais para
consumidores finais não contribuintes
O tema não
é novo, mas como “no Brasil até o passado é incerto”, precisamos retornar para
2011, quando os Estados firmaram o Protocolo 21 que pretendia dividir o ICMS
devido nas operações interestaduais com consumidores finais não contribuintes
do ICMS (vendas e-commerce).
A ideia era
dividir a aparente erosão da base tributária dos estados de destino. O referido
Protocolo foi declarado inconstitucional pelo STF.
Neste
cenário, nasce a Emenda Constitucional nº 87/15, que, na mesma linha do
Protocolo 21, estabeleceu alterações trazendo uma nova possibilidade de
incidência do ICMS nas operações entre aquele que remete o bem ou serviço e o
estado de destino.
Antes dessa
emenda, na operação interestadual com consumidor final não contribuinte, o ICMS
era devido somente para estado onde estava o remetente do bem ou serviço, com
base na sua alíquota interna.
Dessa
forma, introduziu-se substancial alteração na chamada sujeição ativa, pois:
1) Ao
estado de origem cabe o ICMS pela alíquota interestadual (4%, 7% ou 12%);
2) Ao
estado de destino cabe o ICMS pelo diferencial de alíquota interna (do estado
de destino) e a alíquota interestadual.
É evidente
que a emenda trouxe uma nova hipótese de incidência, uma nova relação jurídica
tributária ou uma nova obrigação tributária.
Neste
contexto, novamente, os estados, na sua costumeira ânsia arrecadatória,
disciplinaram essa emenda por meio de Convênio CONFAZ - Convênio nº 93/15.
E, mais uma
vez, o STF, instado pelos contribuintes a se manifestar, em fevereiro de 2021,
definiu a tese de que a cobrança do diferencial de alíquotas alusivo ao ICMS
(ICMS-Difal).
Em resumo,
o STF, por maioria, entendeu que a cobrança dessa nova relação jurídica
tributária teria que se dar por meio de Lei Complementar, e declarou
inconstitucional o Convênio. Segundo o STF, caberia ao congresso nacional a
elaboração dessa lei, pois a atual não possui elementos para suprir essa nova
exação, ou seja, o STF entendeu que somente uma nova Lei Complementar traria a
regulamentação do tema.
O
fundamento de que a EC 87/15 trouxe uma nova relação jurídica e um novo tributo
fica patente em várias passagens dos votos dos ministros no tema 1093.
Um dos
ministros diz claramente que na atual Lei Complementar, não há qualquer menção
de quem seria o contribuinte da exação Difal, se é o remetente ou o
destinatário. Afirma, também, o mesmo voto, que somente pela EC 87/15, não se
tem elementos para saber o momento do recolhimento do fato gerador, se seria na
saída ou na entrada do bem ou serviço.
Não menos
importante, outros votos deixam claro que o remetente passou a ter uma nova
obrigação tributária para com o estado de destino, daí, portanto, que seria um
novo tributo.
Fato é que
a EC 87/15, trouxe alteração substancial na relação jurídica, que pode ser
assim resumida:
1) O
mesmo sujeito passivo passou a ter duas relações, sendo uma com o Estado de
origem e outra com o Estado de destino.
Por isso
que, muito acertadamente, o Ministro Marco Aurélio, em seu voto no julgamento
do tema 1093, afirmou que “a Nova Disciplina, no que estabelecida a cobrança do
diferencial de alíquota em favor da unidade federativa de destino, imputado ao
remetente o recolhimento, encerra dados de origem material, espacial e pessoal,
sinalizando imprescindível a espécie legislativa”.
No mesmo
sentido, o entendimento do Ministro Edson Fachin, para quem trata-se de “Nova
Hipótese de Incidência, a exemplo, da aplicação no DIFAL nas operações
interestaduais praticadas com não-contribuintes”.
Todavia, em
que pesa a urgência do tema, o Congresso Nacional, aprovou somente em dezembro
de 2021, o PLP 32/21, encaminhando para a obrigatória sanção presidencial no
final do ano de 2021. Porém, a sanção do referido texto normativo somente
ocorreu em janeiro de 2022, com a Lei Complementar nº 190, de 04 de janeiro de
2022, publicada no DOU em 05.01.22.
Sendo Lei
Complementar em matéria de ICMS, a referida norma: ao tratar de uma nova
relação jurídica tributária (conforme definido pelo STF), definiu os
contribuintes, estabeleceu a forma escritural e operacional das regras de
imposto; fixou estabelecimento responsável pelo recolhimento do tributo tendo
por base o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das
prestações de serviços; fixa a base de cálculo de modo que o montante do
imposto a integre, entre outras.
Porém, na
referida norma, consta um dispositivo que determina a que a cobrança do DIFAL
iniciará após decorridos 90 dias da sua publicação.
E este é o
busílis da discussão, pois tratando-se de uma nova relação jurídica tributária,
e tendo em linha de conta que a Constituição Federal determina que, sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, exigir tributo no mesmo
exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou e considerando que a Lei Complementar 190/22 foi publicada somente em
janeiro de 2022, tem-se que o referido diferencial de alíquota do ICMS nas
operações interestaduais para consumidor final não contribuinte do impostos
somente poderá se exigido a partir de 1º de janeiro de 2023.
Essa
simples e elementar interpretação dessa LC não é, por óbvio, compactuada pelos
estados, que já estão exigindo o Difal e, tantos outros, publicaram comunicados
noticiando até mesmo datas diversas para início da exigência.
Por isso
que a ABIMAQ, diante deste cenário de insegurança jurídica, entendeu por bem
levar a discussão ao STF pela terceira vez, e ajuizou a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 7066, em face da referida norma, no sentido de que a
LC nº 190/22, somente produza efeitos a partir de 1º de janeiro de 2023.
Atualmente o processo está com a relatoria do Ministro Alexandre de Moares
sendo que várias entidades já entraram nos autos pedindo a sua admissão como
“amicus curiae” e sinalizando a necessidade do STF acolher nosso pedido.
*Caio Cesar Braga Ruotolo é advogado e sócio do escritório Luiz Silveira Sociedade de Advogados. Consultor Jurídico da ABIMAQ. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Membro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio em São Paulo. Foi Coordenador Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Foi membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP (2017/2018) e da Comissão de Assuntos Fiscais da CNI (2014-2020). Pós Graduado com Especialização em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Gestão de Recursos Humanos. Experiência consultiva e contenciosa nas áreas de direito tributário, empresarial, ambiental, aeronáutico e crimes contra a ordem tributária.
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