Como chegamos à crise entre Executivo e Judiciário
Por Francisco Gomes Júnior
De início, bom esclarecer que este texto
não tem caráter político, mas quer abordar fatos ocorridos que acabaram gerando
a crise institucional que o país atravessa. Não se quer tomar partido de nenhum
dos lados, mas dizer verdades sobre todos mesmo sob o risco de desagradá-los.
Condenado em várias instâncias por
corrupção e outros crimes, Lula não concorreu nas eleições de 2018 e foi preso
em abril daquele ano. Em decorrência da Lava-Jato, foi exposto o Petrolão
(escândalo envolvendo diretores da Petrobrás de nomeação política) que levou à
cadeia muitos políticos de variados partidos, como PT (Partido dos
Trabalhadores) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Havia um clima de que
estava havendo um combate à corrupção sistêmica no Brasil e a punição dos
envolvidos confirmava isso.
Nessa atmosfera de combate à corrupção e
rejeição às velhas práticas políticas, foi eleito Jair Bolsonaro. Iniciou-se o
mandato com nomes técnicos nomeados para Ministérios e sem o tradicional
loteamento de cargos de primeiro escalão. Entretanto, ao perceber que com essa
composição não iria contar com uma maioria parlamentar que desse segurança para
chegar ao final do mandato, Bolsonaro cedeu a seus conselheiros militares e fez
uma série de composições políticas com o denominado Centrão.
Frustrou-se a expectativa inicial de
eliminar a velha política. Com a ida de Sérgio Moro para o governo, a
operação Lava Jato começa a desacelerar e suspeitas começam a surgir sobre a
imparcialidade do juiz que, após julgar opositores a Bolsonaro, acabou
aceitando fazer parte do governo dele. Falava-se muito que Moro teria aceitado
o cargo diante de uma promessa para ocupar uma das vagas futuras no STF
(Supremo Tribunal Federal), versão desmentida pelo governo e por Moro.
No Judiciário, em abril de 2019, foi
instaurado Inquérito pelo Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, para
investigar a existência de notícias falsas contra membros da Corte
Constitucional. O próprio Ministro Toffoli nomeou como relator do Inquérito o
Ministro Alexandre de Moraes. Desde a abertura do inquérito muito se questionou
sobre sua legalidade e o Ministério Público por meio da Procuradora Geral da
República, Raquel Dodge, requereu o arquivamento da investigação por
considerá-la inconstitucional.
O Ministro Alexandre de Moraes recusou o
arquivamento e deu seguimento às investigações, levando a questão da validade
do Inquérito à votação do plenário do STF. Deu-se aval para a continuidade das
apurações e validou-se os atos passados. A partir de então, uma série de
operações foram deflagradas e conduzidas pela Polícia Federal atingindo
empresários, influenciadores digitais e parlamentares, a maioria deles
apoiadores do governo Bolsonaro.
Em novembro de 2019, em uma reviravolta
do STF, considera-se a prisão em segunda instância ilegal e Lula é liberado da
prisão. Partidários de Lula criticam o STF por tê-lo impedido de concorrer nas
eleições de 2018 e partidários do governo e outros setores da sociedade ficam
com sensação de insegurança jurídica e impunidade.
Em abril de 2020, Sérgio Moro deixou o
governo fazendo acusações contra o Presidente, reclamando de interferência do
Presidente junto à Polícia Federal. A Lava Jato é praticamente enterrada para
novas apurações e surgem gravações clandestinas denominadas como Vaza Jato, que
demonstram condutas reprováveis do Juiz Moro. Com isso, Ministros do STF que
reprovavam a operação começam a explicitar que a operação foi toda conduzida de
forma ilegal, com atropelo das leis e procedimentos.
Chega 2021 e o Presidente adota um tom
político agressivo, comparecendo a manifestações que defendem intervenção
militar e acusando o STF de ativismo judicial. Os ânimos ficam acirrados até o
dia 7 de setembro, mas não há ruptura. Governo e STF vivem uma trégua por
meses, mas o país está polarizado, não entre partidos políticos, mas entre o
Executivo e o Judiciário.
Deixando paixões de lado, é óbvio que
Bolsonaro abandonou o discurso que o elegeu. Não é um novato antissistema, mas
um político do velho sistema. Decepcionou muitos, mas manteve uma parcela do
eleitorado fiel e que se mantém engajado através das mídias sociais.
O Judiciário, por sua vez, deu andamento
ao inquérito com vício de origem, decretou depois de 5 anos a incompetência e
imparcialidade de Moro para julgar as ações de Lula. Ajudou a instalar uma
visão de que privilegia a impunidade, corroborada ainda pela soltura de um
conhecido traficante. Passou a ser criticado por governistas e a ser alvo de
constantes recursos da oposição. Perdeu credibilidade.
Óbvio que o Executivo tem as suas
justificativas políticas para seus atos, assim como o Judiciário tem leis que
justificam suas decisões. Mas o fato é que, com exceção daqueles seguidores
menos críticos que tudo aceitam, há uma frustração com o Executivo e com o
Judiciário.
E agora, em novo round da “guerra”, o
Judiciário julga e condena um deputado com base em investigação realizada no
inquérito com vício de origem e o Executivo decreta uma graça (indulto
individual) anulando a condenação. Ao que tudo indica, não teremos um consenso
entre as partes. Assistindo a tudo, um Legislativo pouco ativo que se alia ao
Executivo por interesses questionáveis e mantém interlocução com o Judiciário
por motivos idem.
Como dito, este texto não opina, não
toma partido, apenas relata. Há muito mais a relatar, mas a extensão do texto
não permite. Continuemos acompanhando o jogo político, a fogueira das vaidades,
o oportunismo e aguardando o próximo dia 7 de setembro.
Francisco Gomes Júnior - Sócio da OGF Advogados. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor do livro Justiça Sem Limites. Instagram: https://www.instagram.com/franciscogomesadv/
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