Demonização da Lava Jato, endosso à corrupção e à impunidade
**Samuel Hanan
Até 2018, a sociedade
brasileira aplaudia a Operação Lava Jato, a maior investigação da história do
país contra a corrupção. Os resultados da operação que desvendou um bilionário
esquema de desvio de recursos na Petrobras, na Eletrobrás e outras estatais e
levou à cadeia alguns dos maiores empresários brasileiros, ex-ministros,
publicitários e até um ex-presidente da República eram aplaudidos por cidadãos
de todas as camadas sociais e por grande parte da mídia nacional. Havia a
sensação generalizada de que o país finalmente dava um passo gigantesco em
direção da retomada da moralidade pública, com repercussão internacional.
Em pouquíssimo tempo,
entretanto, a antes endeusada operação foi sendo demonizada. Defensores e
partidários dos réus buscaram argumentos nas decisões do Supremo Tribunal
Federal, a mesma corte que havia homologado as dezenas de delações premiadas
nas quais foram apresentadas provas do gigantesco esquema de corrupção, reconhecendo
– depois de mais de cinco anos – que a Vara Federal de Curitiba não tinha
competência para atuar em grande parte dos casos, além de mudar o entendimento
sobre a possibilidade de prisão após sentença condenatória em segunda
instância. Decisões colegiadas que não podem mais ser questionadas e precisam
ser respeitadas.
Com isso, muitas
sentenças foram anuladas e os processos voltaram à fase inicial. Réus foram
soltos e desde então vigora a falsa narrativa de que todos acabaram inocentados
quando, na verdade, permanecem denunciados e ainda respondem aos mesmos
processos, podendo ou não sofrer nova condenação mais adiante.
Questões processuais à
parte, a prova de que o esquema corrupto existiu está nos R$ 4,3 bilhões já
devolvidos aos cofres públicos, nos R$ 2,1 bilhões arrecadados em multas
aplicadas nos acordos de delação premiada e nos R$ 12,57 bilhões (cerca de R$
15 bilhões hoje, em valores corrigidos) de multas aplicadas nos acordos de
leniência firmados com as empresas que admitiram participação na engrenagem
criminosa na Petrobras, onde o rombo foi de R$ 6,2 bilhões, segundo
relatório financeiro de abril de 2015. Também foram firmados acordos de
leniência no valor total de R$ 262 milhões com empresas envolvidas em corrupção
na Eletrobras. Exemplos não faltam.
Como se fosse possível
o desvio de um volume de dinheiro desta magnitude sem que houvessem agentes
públicos corruptos, criou-se uma versão que criminaliza quem, no exercício de
suas funções, investigou e puniu os responsáveis. Condenou-se toda a Operação
Lava Jato e as provas da corrupção foram jogadas na vala do esquecimento, tal
qual a falha de memória diagnosticada como sequela da Covid 19 em boa parte dos
que se contaminaram. Nunca foi tão oportuna a frase do humorista Millôr Fernandes
(1923-2012), segundo a qual “o Brasil é o único país em que os ratos conseguem
botar a culpa no queijo”.
É um exagero absurdo
creditar as condenações da Lava Jata a interesses de um magistrado, ainda que
posteriormente o algoz processual de muitos agentes públicos, o então juiz
Sérgio Moro, tenha optado por deixar a toga para ingressar na política.
Eventuais excessos
devem e foram corrigidos. Entretanto, a inversão de papéis entre quem
investigou ou sentenciou e aqueles que foram acusados interessa somente a quem
deseja confundir a opinião pública para desmerecer uma operação responsável por
desnudar como a corrupção sugava os cofres da maior estatal brasileira e
enriquecia agentes públicos. Uma situação tão esdrúxula que permitiu a um réu
da Lava Jato, um ex-presidente da República, após ter cumprido dois anos de
prisão, candidatar-se novamente ao principal cargo da República, apesar de
ainda responder a processos envolvendo casos de corrupção. Ou seja, se vencer
as eleições, ele retornará justamente ao cargo que ocupou em parte do período
em que se materializou o escândalo. Ou, se não for beneficiado pela prescrição,
ser julgado, condenado e novamente preso durante o novo mandato, em péssimo
exemplo para as novas gerações.
Situações como essa
trazem descrédito ao Judiciário e alimentam a sensação de impunidade que
permeia a sociedade brasileira, cada vez mais descrente nas instituições. Por
isso o país clama por medidas imediatas e definitivas, capazes de mudar o rumo
da nação. Dentre elas: a drástica redução do foro privilegiado, a possibilidade
de prisão em segunda instância, o fim da prescrição em crimes contra a
administração pública e, ainda, o fim da gratuidade do Horário Eleitoral,
diante da gigantesca generosidade dos recursos destinados aos Fundos Eleitoral
e Partidário.
São medidas necessárias
e urgentes para o efetivo enfrentamento do mal da corrupção que já custa ao
Brasil mais de R$ 200 bilhões por ano, segundo reconhece a Organização das
Nações Unidas (ONU). Uma realidade que freia nosso desenvolvimento e cresce
como erva daninha regada pela imoralidade. Não à toa, pesquisa Datafolha
divulgada no final de março releva que 53% dos entrevistados acreditam que a
corrupção vai aumentar no país. Portanto, o combate a essa prática exige avanços,
nunca retrocessos.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). É autor do livro “Brasil, um país à deriva”.
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