A difícil missão de equilibrar as verbas entre varejo e fornecedores
Por Rodrigo Catani, head de potencializar
vendas da AGR Consultores
A gestão das verbas negociadas
entre varejo e fornecedores é sem dúvida um dos grandes desafios
dessa relação. Quando bem utilizadas, as verbas podem incrementar volumes de
venda, promover produtos, ativar lançamentos, aumentar o giro de alguns
produtos, entre outros efeitos positivos. Mas, como nem tudo são
flores, estas mesmas verbas, por outro
lado, podem trazer consigo algumas armadilhas, tanto para o
varejo quanto para a indústria, que podem e devem ser evitadas.
Pelo lado do varejo, a captação de
verbas junto aos fornecedores é um ótimo impulsionador de resultados,
mas deve ser analisado com cuidado e de modo separado da margem
“pura”. Caso a margem alvo somente seja atingida com
alguma captação de verba junto ao fornecedor, é um sinal de alerta,
alguma coisa está errada no preço de aquisição, na precificação
ou mesmo na estratégia do produto.
Compartilho aqui uma experiência
em uma grande rede de varejo alimentar onde fiz um longo
projeto. Lá, vivenciei uma dessas armadilhas no dia a dia dos
compradores. Além das metas de vendas e margem, o Diretor Comercial
definiu que os compradores teriam também metas (em R$) de captação de verbas
junto aos fornecedores, a cada negociação. Só se podia colocar
pedido, se houvesse verba. O comprador passou então a focar
em vender espaços nos tabloides, anúncios na TV e na internet, espaços
extras nas lojas, entre outros. Depois de alguns meses dessa
prática implementada, o impacto no capital de giro foi brutal, a
cobertura de estoque cresceu mais de 30%, sem
incremento significativo nas vendas. Além disso, a concentração de
vendas com os grandes fornecedores aumentou, dado que eram os
maiores contribuintes do fundo de verbas. Quando as demais diretorias e
o CEO perceberam o tamanho do problema e identificaram suas causas
raízes, chamaram todos os fornecedores e tiveram
que repactuar uma série de acordos para interromper o ciclo
vicioso que estava estabelecido.
Outro caso interessante ocorreu quando
outra rede nos chamou para auditarmos todo o processo
de recebimentos de verbas. Haviam
sido criados tantos tipos e tantas formas diferentes
de capturá-las junto aos fornecedores que a gestão de
verbas se perdeu, não sabiam mais quem tinha pagado e o
quê, pois nem o sistema e nem os compradores estavam preparados para
o controle que seria necessário.
Pelo lado da indústria, a falta de um
processo estruturado para gestão das verbas pode levar a um foco extremamente
perverso no “sell-in”, no pedido que é realizado para o cliente e que
ajuda o vendedor, o gerente, o diretor comercial e
a empresa a baterem as metas do mês e receberem a
remuneração variável.
Para citar mais um exemplo, uma grande
indústria aumentou significativamente as verbas para
um grande supermercado e começou em um primeiro momento a vender
muito mais. Cada pedido era um recorde de vendas, até que um dia a
fatura chegou. O diretor de vendas foi chamado para ajudar a
desovar o excesso de estoque, ou os pedidos cessariam. Quando sacou um
relatório cheio de gráficos e mostrou o alto volume de verbas investido, foi
surpreendido com a resposta: “o giro não respondeu, seus produtos pararam de
vender e agora precisamos de mais verbas para fazer rebaixa de
preços, promoções e mais ações de venda”. A gestão sobre o uso
das verbas destinadas ao varejo é tão importante quanto controlar a
rentabilidade de cada cliente.
Mas então é possível ter uma
relação mais “saudável” com as verbas? Penso que uma das melhores maneiras é
focar no “sell-out”, no esforço de fazer o produto realmente girar,
nem sempre com descontos, mas com promoções inteligentes, combos, ações com
foco na geração de demanda, olhando o consumidor final, seus desejos e
necessidades.
Outro ponto importante é que o comprador do varejo deve estar focado em comprar bem, gerar vendas com margem saudável, desenvolver uma categoria, ampliar as soluções para o consumidor. As negociações de margem podem ser conduzidas por outras áreas, tais como: Marketing, Trade Marketing, ou Pricing. Se, ao menos, o comprador tiver o tripé de metas: vendas, margem e cobertura adequada de estoque, será meio caminho andado para evitar o “canto da sereia” que as verbas com fornecedores podem representar. Elas são importantes na relação entre fabricantes e varejistas, mas são apenas um meio para viabilizar negócios e não um fim em si mesmo, como vemos em alguns casos.
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