Dez anos da Lei nº12.619/2012: Certezas e incertezas sobre a jornada de trabalho do motorista profissional
*Por Henrique dos Santos de Bassi Nogueira
Em 30 de abril deste ano, a Lei que
regulamentou a profissão de motorista completou dez anos. Dentre as novidades,
a mais relevante talvez seja a respeito da jornada de trabalho do motorista
profissional, em especial a obrigatoriedade de controle. Apesar da lei ter
sofrido algumas alterações em 2015, tal obrigatoriedade permaneceu intacta.
Mesmo assim, passada uma década de tal marco legislativo, alguns tópicos sobre
a jornada dos motoristas profissionais continuam a aquecer as discussões nos
Tribunais da Justiça Trabalho, ao passo que alguns outros conceitos já estão
bem sedimentados.
Um dos pontos já quase que pacificado em
nossos tribunais está a obrigatoriedade de haver o registro fidedigno da
jornada de trabalho e tempo de direção por meio “de diários de bordo, papeleta
ou ficha de trabalho externo, ou por meio de registros eletrônicos instalados
nos veículos” (art. 2º, V, b, da Lei nº 13.103/2015). A jurisprudência vem
consolidando no sentido de que as empresas não podem cogitar a dispensa de tal
controle (e, consequentemente, de eventual pagamento de horas extras) sob a
justificativa de que a atividade do motorista é externa e não há como ser
controlada (art. 61, I, da CLT).
Outro pronto reiteradamente decidido,
inclusive pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), é no sentido de que o
simples fato de o motorista realizar seus horários de descanso dentro do
veículo não se faz presumir que estivesse de sobreaviso, ou seja, à disposição
de seu empregador. Nesse sentido, a maior parte dos julgados observam como
sendo do empregado o ônus de comprovar que efetivamente estivesse à disposição
do empregador de modo a estar impedido de assumir atividades pessoais não
relacionadas ao trabalho
Entretanto, algumas outras decisões dos
Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) conflitam entre si, causando dúvidas a
respeito da aplicação das Leis em comento.
Em relação ao denominado “tempo de
espera”, o parágrafo 8º do Art. 235-C da CLT (incluídos pela Lei nº 12.619
/2012) dispõe expressamente que este compreende “as horas em que o motorista
profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas
dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a
fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias”,
dispondo expressamente que este tempo não deve ser computado como jornada de
trabalho e nem como horário extraordinário do motorista.
Ainda, o parágrafo 9º do mesmo artigo
também é expresso e literal ao descrever que as horas do tempo de espera devem
ser “indenizadas na proporção de 30% (trinta por cento) do salário-hora
normal”, ou seja, apesar de não serem computadas para efeito de jornada ou
horas extras, esse interregno gera o direito a uma indenização parcial em
relação à hora normal de trabalho do motorista, sem reflexos nas demais verbas.
Porém, apesar de tais disposições serem bem claras e expressas na Lei, ainda
existem alguns órgãos da Justiça do Trabalho que entendem pela não aplicação de
tais dispositivos.
A título de exemplo, a 2ª Turma do TRT
da 4ª Região, ao decidir nos autos do processo nº 00200540620175040761, expôs
entendimento no sentido de não reconhecer diferença entre “tempo de espera” e
“horas extras”, dando provimento parcial a recurso do empregado para determinar
que as horas permanecidas em tempo de espera (carregamento e descarregamento)
sejam remuneradas como horas extras acrescidas do adicional de 50%, com
integrações nas demais verbas salariais.
Outro ponto que suscita interpretações
divergentes nos Tribunais Regionais do Trabalho é a utilização ou não do
tacógrafo como meio de aferição e fixação da jornada de trabalho do motorista
empregado, muito embora exista entendimento jurisprudencial do TST dispondo que
apenas esse equipamento, sem outros elementos, não serve para efeito de
controle de jornada (OJ nº 332 da SDI-1 do TST). Ainda assim, a 9ª Turma do TRT
da 3ª Região, nos autos do processo de nº 00106461820155030040, entendeu que a
jornada do motorista “era apurada com base em tacógrafos”, mas indeferiu o
pleito de horas extras por estas já terem sido quitadas com base nas apurações
do equipamento. De outro lado, a 3ª Turma do TRT da 6ª Região condenou a
empregadora ao pagamento de horas extras, nos autos da ação nº
00000178820155060011, pois “os horários, de início e término do labor,
constantes nos discos tacográficos, representam, efetivamente, a jornada de
trabalho do Reclamante”.
Outro exemplo de incerteza em relação à
aplicação das normas dispostas na Lei em comento é sobre o fracionamento do
intervalo interjornada de 11 horas do motorista profissional, que foi
expressamente permitido pelo art. 235-C, § 3º, da CLT, desde que respeitado o
período mínimo de 8 horas ininterruptas do primeiro período de concessão, e a
fruição das demais 16 horas subsequentes.
Porém, o TRT da 3ª Região entendeu pela
inconstitucionalidade de tal artigo, chegando até a editar uma Súmula, de nº 66,
que a justifica “por violação ao princípio da vedação do retrocesso
social”.
Assim, em que pese outros Tribunais como
o da 2ª (São Paulo) e da 4ª (Rio Grande do Sul) Regiões entendem pela aplicação
do dispositivo, desde que respeitadas as limitações impostas, o Tribunal de
Minas Gerais (TRT3) entende, como exposto na decisão proferida pela 5º Turma,
em 05/03/2020 nos autos do processo nº 00116883820175030071, que entende pela
aplicação da Súmula Regional, confirmando a condenação de origem da empresa
reclamada ao pagamento como extras as horas suprimidas da pausa interjornada
mínima de onze horas.
Logo, tomando por exemplo os julgados e
entendimentos acima expostos, é importante que as empresas de transporte e
logística se atentem que, apesar de ser fato concreto e estabelecida a
obrigação de manterem um controle expresso e fidedigno dos horários de seus
empregados, ainda há a necessidade destas estarem atentas às demais
peculiaridades legais sobre a jornada do motorista profissional e, em especial,
analisarem conforme a sua área de atuação quais eventuais entendimentos
divergentes da Lei podem acabar encontrando nos Tribunais Regionais do
Trabalho, a fim de que possam analisar ser mais proveitoso se adequarem às
diversas interpretações da Lei ou, então, se prepararem para apresentar defesas
e teses robustas que permitiram a discussão futura no âmbito do TST de tais
aplicações divergentes da Lei, a fim de se garantir a correta e uniforme
aplicação desta, que já conta com 10 anos de existência.
*Henrique dos Santos de Bassi Nogueira, sócio da área Trabalhista do FAS Advogados
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