Cobertura dos planos de saúde no Brasil: o julgamento do STJ sobre o rol de procedimentos da ANS e seus próximos capítulos
*por Ana Luíza Calil
No último dia 8 de junho, a 2ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento da tese e definiu que
o rol procedimentos e eventos em saúde suplementar, definido pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), deve ser taxativo (em uma votação por 6
votos contra 3), com algumas exceções. A tese foi vencedora contra o rol
exemplificativo.
Em primeiro lugar, é relevante entender
que a Lei nº 9.656/1998 estabeleceu a figura do “plano de referência”, que
seria equivalente a um plano com as exigências mínimas com características
definidas pela norma. A lei delega à ANS a competência normativa para definir a
cobertura mínima relacionada a tal plano de referência, que deve ser observada
por todos os demais em oferta no país. A ANS, por meio de resolução, atualiza
periodicamente atualiza o rol, por meio de uma Comissão Técnica determinada
para essa finalidade.
O entendimento que prevaleceu no STJ foi
o do Ministro-Relator Luis Felipe Salomão, cujo voto incorporou sugestões de
exceção apresentadas pelo Ministro Villas-Bôas Cueva. O argumento central do
relator é de que o rol taxativo tem por objetivo a proteção à segurança
jurídica, não apenas das operadoras, mas também dos beneficiários. Com o rol
taxativo, as operadoras de saúde não são obrigadas a cumprir tratamentos não
previstos em lista. Para ele, a ausência de certeza quanto ao que deveria ser
coberto levaria, muitas vezes, a judicializações indiscriminadas – o que pode
elevar custos arcados pela operadora e prejudicar os usuários como um todo.
Para garantir o direito à saúde, caso
não haja substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol para
tratamento de alguma doença, é possível que o tratamento indicado pelo médico
seja coberto. Há quatro requisitos para tanto, mencionados na sessão:
(i) o tratamento não pode ter sido
indeferido de maneira expressa pela ANS para ser incorporado ao Rol de Saúde
Complementar;
(ii) que haja comprovação da eficácia do
tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
(iii) que haja recomendação técnica favorável
de entidades nacionais ou estrangeiras quanto à utilização do tratamento (como,
por exemplo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS -
CONITEC); e
(iv) em caso de judicialização, que haja
diálogo entre o judiciário e entes ou pessoas com expertise técnica na área de
saúde, incluída com a missão de atualização do rol, sem deslocamento da
competência de julgamento do feito para Justiça Federal ante a ilegitimidade
passiva ad causam
da ANS.
Os votos vencidos foram da ministra
Nancy Andrighi, e dos ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro,
para os quais o rol da ANS teria caráter exemplificativo. Nesse caso, o plano
de referência da ANS serviria apenas como um exemplo de tratamentos básicos a
serem cobertos. Para a ministra, que abriu a divergência, a definição do rol
como taxativo, com as exceções propostas, levaria a uma situação em que a
casuística prevaleceria. Além disso, as operadoras de saúde teriam o próprio
ônus de avaliar a admissão do pedido de tratamento. Destacou que a lógica da
saúde suplementar não deve ser equivaler à da saúde pública.
A discussão do tema, apesar de concluída
no STJ, não parece ter se encerrado no ordenamento. Foi ajuizada, em março de
2022, no Supremo Tribunal Federal (STF), ação direta de inconstitucionalidade
(ADI 7088) que questiona dispositivos legais que tratam da amplitude das
coberturas dos planos de saúde da ANS. Também foram contestados dispositivos
dos prazos para a conclusão do processo administrativo de atualização do rol de
procedimentos e eventos em saúde suplementar.
No legislativo, há projetos de lei em
curso na Câmara dos Deputados para fixar o rol como exemplificativo. Também há
propostas de Decreto Legislativo com o objetivo de sustar o art. 2º da
Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS, que fixa o rol em vigor atualmente e
prevê sua natureza de taxatividade.
A conclusão, no cenário atual, é que
ainda há insegurança jurídica quanto ao tema e se a natureza taxativa irá
perdurar. Apesar de o julgamento no STJ ter sido concluído no mérito, há
espaços para alterações no entendimento. Nesse sentido, a atuação do STF e do
Poder Legislativo ditarão o caminho que o tema irá rumar no Brasil.
*Ana Luíza Calil é advogada associada do
Cescon Barrieu Advogados nas áreas de Direito Público, Infraestrutura e Direito
Digital
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
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