Falta de médicos evidenciada pela pandemia e o entrave na abertura de novas vagas para os cursos de Medicina
Problema crônico que tem dificultado a implementação de
vários programas e projetos vinculados ao SUS foi agravado por decisão do MEC
que restringiu abertura de novos cursos e aumento de vagas
Passados quatro anos da publicação
da Portaria MEC nº 328, de 05 de abril de 2018, que suspendeu por cinco anos o
protocolo de pedidos de aumento de vagas e de novos editais de chamamento
público para autorização de cursos de Medicina, o Brasil segue na precária
realidade sanitária, caracterizada pelas extensas filas nos hospitais, além de
planos de saúde caríssimos e de baixo acesso à maioria da população. A situação
se agravou ainda mais com a chegada da pandemia da Covid-19, em meados de março
de 2020, colocando em risco a qualidade da assistência prestada à população em
todas as regiões do país.
Em estudo publicado pela Associação
Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), a instituição já
alertava para os problemas decorrentes do fechamento do protocolo do sistema
e-Mec, em 2012, para abertura de novos processos de autorização de cursos de
Medicina sem justificativas plausíveis e debate com entidades e sociedade.
Em 2020, o Brasil contava com 337
cursos de Medicina no país, sendo 60% deles ofertados pelo setor privado, com
oferta de 36.670 vagas anuais. No mesmo ano, a razão de médicos para 1.000
habitantes passou a ser de 2,38 profissionais, número que está abaixo de países
como Chile (2,5), a Argentina (3,2), além de haver uma grande desigualdade
regional: Norte (1,30), Nordeste (1,69), Centro-Oeste (2,74), Sul (2,68) e
Sudeste (3,15).
O tema também foi registrado pelo
ministro vice-presidente do Superior Tribunal Militar e conselheiro do Conselho
Nacional de Educação (CNE), José Barroso Filho, em artigo publicado pelo Portal
iG, em fevereiro de 2021. “Diversos estudos demonstram a existência de um
grande déficit de profissionais na área da saúde no mundo todo, a exemplo do
relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde, em que aborda uma
estratégia global de recursos humanos para a saúde até 2030, apontando a
necessidade de políticas públicas para todos os países que fazem parte da OMS,
incluindo o Brasil. São diversos os motivos de escassez de médicos, de acordo
com a OMS, mas há um motivo explícito que é comum a todos os países, o
subinvestimento crônico na educação de profissionais de saúde e o êxodo
contínuo dos médicos para os grandes centros. Essa é uma realidade no Brasil”,
disse o ministro.
Considerando um tema polêmico, a
Associação Brasileira de Mantenedoras de Faculdades (Abrafi) defende muitas
reflexões e a instituição de políticas públicas que tragam igualdade e
oportunidade entre as instituições de ensino. “Há um mito de que os cursos
privados de Medicina não possuem qualidade, o que é considerado um paradoxo,
uma vez que a qualidade dos cursos remete aos processos de avaliação realizados
pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), instituído por
lei, desde 2004, com objetivo de avaliar as instituições, os cursos e os alunos
vinculados à graduação, em qualquer modalidade”, explica o presidente da
Abrafi, Edgar Larry.
Para o ministro José Barroso, o
problema vai além. “A conveniência e oportunidade no lançamento de novos
editais de Chamamento Público para a autorização de novos cursos de Medicina
esbarram em uma conhecida pressão exercida pelo Conselho Federal de Medicina,
que sempre se opôs à abertura de novos cursos. Essa conveniência e oportunidade
se traduzem numa restrição indevida e que privilegia grandes grupos
educacionais, sobretudo aqueles que são focados nas áreas de saúde”, ressalta.
Para o ensino privado, a grande
questão é o porquê de a Portaria nº 328 estabelecer um critério não isonômico
para os grandes pedidos de aumento de vagas. A determinação não apresenta
justificativa técnica e nem critérios legais para que apenas as universidades
públicas possam pleitear o aumento de vagas nos seus cursos de Medicina.
Legalmente, a Lei de Liberdade
Econômica proíbe que as universidades públicas tenham tratamento diferenciado
das instituições privadas de ensino, pois isso é compreendido como um ato que
viola o direito essencial da pessoa jurídica no desenvolvimento e crescimento
econômico do país, nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 13.874, de 20 de
setembro de 2019. “Importa constatar que não há como supor que apenas as
instituições que ofertem cursos de Medicina estejam intactas às crises, mas há
como garantir que a falta de concorrência nessa área implica na discrepância
concorrencial e de manutenção de mercado. É justamente esse tipo de distorção
que o Ministério da Educação deveria evitar, mas, ao contrário do que se
imagina, acaba contribuindo ainda mais para a sua manutenção”, completa José
Barroso.
Segundo a ABMES, a resolução do
problema com a abertura de protocolo no MEC resultará em benefícios para a
população com mais profissionais no mercado. “É necessária a revogação da Lei
nº 12.871, que constituiu o Programa Mais Médicos, com definição de critérios
mais adequados para autorização de cursos de Medicina, respeitando a Lei do
Sinaes. O Brasil adota dois sistemas de regulação e avaliação de cursos de
graduação que não dialogam e nem se articulam no que diz respeito às avaliações
externas de curso”, finaliza o presidente da entidade, Celso Niskier.
Disputa judicial
Em reunião recente da Associação
Nacional das Universidades Particulares (Anup), foi votada e aprovada a
proposta de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a ser ajuizada
no Supremo Tribunal Federal (STF), pleiteando que a única forma de se pedir
novos cursos de Medicina e buscar aumento de vagas em cursos já autorizados no
País seja a via da Lei do Mais Médicos e que sejam paralisadas e tornadas sem
efeito as ações judiciais que pleiteiam a possibilidade de se ter a abertura de
processos de autorização de novos cursos da área. Embora a votação tenha sido
de 7 votos contra a ação, 4 a favor e uma abstenção, uma manobra realizada pela
presidente da entidade, Elizabeth Guedes, com o argumento de que os votos
teriam peso proporcional ao número de instituições mantidas por cada associada,
com número reduzido de universidades, garantiu a vitória ao grupo minoritário,
já que, dentre as 4 que votaram favoravelmente à ação, estavam as mantenedoras
do Grupo Kroton, que representou, na reunião, 158 instituições, e as
mantenedoras do Grupo Afya, que representou 13 instituições, sendo este úlitmo
um dos grupos com maior número de vagas de Medicina no Brasil.
Ao que ficou claro, a Anup voltou-se
contra os interesses da sociedade brasileira para garantir reserva de mercado
de uma pequena parte de seus associados, que são justamente aqueles que detêm
grande fatia dos cursos autorizados de Medicina do Brasil, em especial a Afya,
uma das instituições privadas que tem mais vagas de medicina no Brasil. “O
interesse do setor educacional brasileiro, no que diz respeito aos cursos de
Medicina, é que se tenha livre concorrência e livre iniciativa, garantindo-se
todos os padrões de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Educação”,
reforça Edgard Larry, presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras das
Faculdades (ABRAFI).
A Ação Direta de Constitucionalidade
foi protocolada pelo escritório Sergio Bermudes Advogados no STF nesta quarta-feira
(8) e distribuída para relatoria do ministro Gilmar Mendes.
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