Fiscalização sobre movimentações bancárias põe em xeque "confiar na memória"
Diego Weis Júnior*
Quem costuma movimentar volumes
financeiros na conta bancária deve ficar atento. E aqui me dirijo especialmente
a agentes do agronegócio que, não raro, utilizam as suas contas bancárias de
pessoa física (PF) para realizar transações de recebimentos, pagamentos e
transferências de dinheiro. Digo isso para destacar a importância da
estruturação de registros e controles das operações financeiras, bem como da
necessidade de uma assessoria jurídica em caso de início de qualquer
procedimento de fiscalização.
A lei federal nº 9.430, de 1996, no
artigo 42, concede ao Fisco o poder de presumir como renda quaisquer
movimentações bancárias a crédito recebidas por um contribuinte, seja pessoa
física ou jurídica, e determina que ele seja regularmente intimado a esclarecer
a origem dos recursos.
Considerando o prazo decadencial
previsto no Art. 173, I, do Código Tributário Nacional, a intimação fiscal para
que o contribuinte apresente tais esclarecimentos, inclusive com fornecimento
de cópias de documentos hábeis e idôneos, pode alcançar períodos anteriores em
até setenta meses.
Nessa linha, enfocamos os casos de
pessoas físicas porque, em geral, utiliza-se da conta corrente tanto para
receber recursos de sua atividade profissional, quanto para movimentações
comuns. Outra situação corriqueira é que essas pessoas não contam com um
profissional contábil ou financeiro para organizar todas as movimentações feitas
na conta bancária e registrar esses dados em um sistema de escrituração
contábil de forma ordenada, por natureza e origem, guardando os documentos
comprobatórios.
O ponto é que, pela simples ausência de
comprovação (inclusive documental), a pessoa poderá ser taxada segundo a tabela
progressiva de IR – que vai de 7,5% até 27,5%, conforme o montante. Há ainda a
possibilidade de cobrança de multa de 75% do imposto que for apurado como
devido, segundo o artigo 44 da mesma lei. Ou seja, poderá ser cobrado 27,5%
sobre a movimentação cuja origem não for comprovada, e sobre esses 27,5% ainda
serem acrescidos mais 75%. Essa alíquota do imposto, em si, somada à multa,
pode representar praticamente 50% do total dos recursos que a pessoa recebeu e
não conseguiu comprovar documentalmente que já havia oferecido à tributação, ou
que não eram tributáveis.
Lembro ainda que, se no curso da ação
fiscal for entendido que o contribuinte agiu com dolo ou má-fé, no intuito
deliberado de lesar o erário, sonegando tributos, a multa pode ser dobrada,
indo para 150% do valor do imposto devido. Nesse caso, o montante que a pessoa
pode vir a ser obrigada a pagar ultrapassaria os 68% dos recursos recebidos e
cuja origem não pode ser comprovada, esvaziando seu patrimônio.
Para quem imagina que este tipo de
fiscalização só ocorre com contribuintes que movimentam recursos muito
expressivos, cabe informar que, nos últimos meses, atendemos pessoas
fiscalizadas segundo o Art. 42 da Lei nº 9.430/1996 e com movimentação anual
inferior a R$1 milhão. Portanto, todo o cuidado é necessário!
Temos observado, em geral, grande
dificuldade dos contribuintes em escaparem ilesos desse tipo de fiscalização.
Isso porque o ônus da prova é do contribuinte, o que faz com que ele saia em
uma posição de desvantagem ao ter de provar toda a movimentação bancária com
documentos e informações concretas, normalmente em um curto espaço de tempo.
Afinal, é bastante comum que não se faça um controle rigoroso sobre as entradas
e saídas da conta bancária da pessoa física, tampouco que se tenha um arquivo
organizado com documentos comprobatórios de cada operação.
No caso do setor agro, por haver a
possibilidade de se optar por uma tributação mais simplificada, grandes
empreendedores têm hábito de operar as finanças dos empreendimentos na pessoa
física, mantendo contador e livro de controle apenas quando movimentam muito
dinheiro. No entanto, mesmo assim, na hora de atender uma fiscalização dessa
natureza, podem encontrar sérias dificuldades, devido ao próprio dinamismo das
operações imposto pelo mercado.
Mas há um problema ainda maior: a grande
maioria das pessoas não tem sequer consciência desse risco e realiza transações
que podem passar despercebidas e, decorrido um tempo, não lembrar mais do que
se tratava, dificultando, ou até impossibilitando, a comprovação da origem,
especialmente com documentos. O que se verifica, portanto, é que há um risco
financeiro enorme atrelado às operações bancárias quando inexistentes registros
e controles que permitam identificá-las e comprová-las adequadamente.
Possibilidade de ajuda jurídica começa
na fase administrativa
A assessoria jurídica, em casos de
fiscalização como esses, deve se debruçar desde a fase administrativa do
processo. Por isso, assim que a pessoa receber a intimação, deve já contar com
uma defesa especializada. O advogado será capaz de detectar algumas questões de
antemão. Afinal, é no procedimento fiscal de avaliação de ilícito tributário
(fase inquisitória) que podem ocorrer atos relevantes para a atuação da defesa,
tais como possíveis nulidades. O entendimento do CARF (Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais) é de que cabe ao contribuinte, nessa fase, comprovar
somente a origem dos recursos. Se a fiscalização exigir mais do que isso, pode
ser considerada uma extrapolação da função fiscal – o que pode culminar na
anulação do auto de infração. Nesse sentido, a defesa poderá atuar de forma
decisiva sobre os eventuais erros da auditoria. Caso a ação siga, a partir do
início do procedimento fiscal e se houver auto de infração, é iniciada a fase
contenciosa, na qual a pessoa poderá se defender perante julgadores
administrativos especializados.
O melhor caminho, ainda assim, é
simples: manter uma organização pessoal efetiva, com registros e controles que
permitam identificar as operações financeiras. Se a pessoa não movimenta muitos
recursos, o ideal é que faça um arquivo e guarde as comprovações de transações,
preferencialmente em ordem cronológica, utilizando as várias ferramentas
tecnológicas disponíveis.
Por fim, cabe uma avaliação para o
empresário do agronegócio que está movimentando dinheiro em contas bancárias da
pessoa física: vale a pena continuar assim? Sabe-se que a tributação na PF é
simplificada e reduzida, mas é fundamental examinar o risco que vem atrelado a
essa suposta economia quando ausentes os controles essenciais.
Portanto, é válido consultar um advogado
tributarista especialista para fazer essa avaliação. Ou ainda buscar
aconselhamento para adotar medidas que mitiguem qualquer insegurança,
verificando no médio e longo prazo a postura correta para evitar problemas.
*Diego
Weis Júnior é advogado-sócio do escritório Moreira Garcia Advogados, contador,
com MBA em Gestão Tributária.
Sobre o Moreira Garcia Advogados Associados – Focado em advocacia trabalhista, tributária e empresarial/societária, o escritório Moreira Garcia Advogados Associados foi fundado em 2015 e apresenta aos clientes soluções por meio de estratégias consultivas e preventivas, além de oportunidades de negócio. A banca conta com profissionais com mais de 15 anos de experiência, apresentando amplo domínio em áreas do conhecimento que ultrapassam o campo jurídico e incluem contabilidade, tributação, acordos e negociações coletivas. A sede está localizada em Porto Velho, Rondônia, e a firma tem como sócios Flaviana Moreira Garcia e Diego Weis Júnior.
Nenhum comentário