Fotógrafo italiano que registrou o percurso de refugiados e migrantes no Brasil fala sobre o Dia Mundial do Refugiado: "Dor, saudade e esperança"
Exposição fotográfica ACOLHIDOS está aberta ao
público na avenida Paulista até o dia 26 de junho, semana em que o mundo
discute o tema; 20 de Junho - Dia Mundial dos Refugiados
(Antonello Veneri/Divulgação AVSI Brasil)
20 de Junho - Dia Mundial dos Refugiados
Fotografar e ouvir histórias de pessoas
em busca de um novo lar tem sido algo marcante na vida do italiano Antonello
Veneri, que há doze anos escolheu o Brasil como seu lar. Por aqui, o fotógrafo
e jornalista vem registrando através de suas lentes e olhar apurado, relatos de
centenas de pessoas que buscam um espaço, ou na verdade, o recomeço de uma
vida. Atingidos por uma forte crise social, política e econômica em seu país de
origem, refugiados e migrantes venezuelanos encontram no Brasil oportunidades
de trabalho e, acima de tudo, dignidade para seguirem suas vidas.
Com o trabalho de instituições que atuam
na temática do refúgio e migração junto à força-tarefa humanitária da Operação
Acolhida, agências da ONU, sociedade civil e, com o apoio do setor privado,
famílias inteiras estão conseguindo recomeçar suas histórias, por meio de ações
ligadas a direitos básicos como acesso à saúde, educação, alimentação, moradia
e trabalho, sem deixar para traz seus os seus costumes e suas raízes. “Todas as histórias são diferentes, mas
em cada uma sempre tem algo parecido. Dor e saudade, mas também uma forte
esperança”, reflete Antonello.
A arte de Veneri está em cartaz na
exposição Acolhidos: o
percurso da Venezuela à integração no Brasil, no edifício Banco
do Brasil (avenida Paulista, 1230, Torre Matarazzo), retratando o cotidiano de
diversas famílias que também escolheram o solo brasileiro como morada. Em 120
imagens, o público reflete sobre os bastidores e como é a vida de quem foge de
crises, conflitos e desamparo, deixando para trás familiares, casa, trabalho,
escola... A exposição conta ainda com um espaço educativo e a apresentação de
vídeos com depoimentos do fotógrafo e de agentes de campo que realizam trabalho
humanitário nos centros de acolhida gerenciados pela AVSI Brasil e Agência da
ONU para Refugiados (ACNUR), em Boa Vista. No mês dedicado aos refugiados,
quando se comemora o Dia Mundial do Refugiado, no dia 20, a mostra lança luz
para um tema delicado e atual, por conta da guerra que assola a Ucrânia e
mobiliza países e organizações que há anos atuam em zonas de conflitos levando
comida, remédios, entre outras necessidades.
O nome da exposição é inspirado no
projeto social Acolhidos por meio do trabalho, implementado pela AVSI Brasil e
Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), com recursos financiados pelo
Escritório de População, Refugiados e Migração (PRM) do governo dos EUA. A
edição de São Paulo tem o patrocínio do ACNUR e da Fundação Bernard van Leer
(FBvL), e tem o apoio institucional do Consulado da Itália no Brasil, Organização
Internacional para as Migrações (OIM), Rede Brasil do Pacto Global, e da Casa
Civil da Presidência da República, que coordena as ações da força-tarefa
Operação Acolhida.
Em São Paulo, a exposição integra o
calendário cultural do CCBB SP (Centro Cultural Banco do Brasil), parceira na
realização do evento, e está aberta ao público até 26 de junho, todos os dias,
incluindo sábados domingos e feriados. O evento é gratuito e a classificação
etária é livre. O espaço prevê todos os protocolos de segurança e controle
preventivos à Covid-19.
Confira a entrevista com Antonello
Veneri
O que te inspirou a registrar um
trabalho voltado para causas sociais?
A fotografia documental faz sentido se
é voltada ao encontro com o outro. Desde criança sempre gostei de conhecer
pessoas e histórias especiais, que tivessem algo de vibrante. A
profissão de fotógrafo e jornalista proporciona isso. Assim como de
contar, através das imagens, a nossa interpretação do mundo.
Qual foi o maior desafio enfrentado
durante as viagens?
Para o projeto fotográfico
"Acolhidos", viajei por mais de 16 mil quilômetros, entre Santa
Helena de Uiarén, na Venezuela, passando por Roraima, Distrito Federal, Santa
Catarina e Salvador. Passei dos 35 graus, de Boa Vista, ao menos 1 grau,
de Santa Catarina. Em cada lugar encontrei, conversei e fotografei centenas de
pessoas. Tudo isso no ano passado, em plena emergência da Covid-19,
mas quando penso nos desafios que esta população migrante enfrentou, vejo
que a minha viagem não foi tão complicada.
Alguma história te tocou mais?
A história da Yoskarly, jovem mulher
grávida que encontrei na fronteira, e depois em um abrigo de Roraima. Me
considero um ouvidor profissional, então passo muito tempo escutando
histórias. Me tocaram especialmente as histórias dos idosos que tiveram
que deixar a própria casa, o próprio país. Todas as histórias são diferentes,
mas em cada uma sempre tem algo parecido. Dor e saudade, mas também uma forte
esperança.
E como era o seu contato inicial com as
famílias retratadas na exposição?
Uma boa parte dos registros de
“Acolhidos” foram os retratos, então montava num tripé, um pequeno fundo preto
nos próprios centros de acolhida, em Boa Vista, e convidava quem queria ser
fotografado. Quase sempre uma enorme fila se formava, porque retrato é coisa
séria. Na segunda parte da viagem, no Sul do Brasil, nos lugares onde os
venezuelanos conseguiram trabalho formal, a partir do projeto social da AVSI
Brasil, pude documentar a vida cotidiana destas famílias.
Como a sua arte pode despertar uma conscientização sobre
o papel da sociedade sobre este tema?
Através das fotos, narro histórias para
quem estiver disposto a escutar e vê-las, mas não me considero artista. Li uma
entrevista da atriz Tilda Swinton em que diz ‘que mais do que homo-sapiens somos
homo-narrans’. Adorei. Somos homens-narrantes. Se formos pensar, a narração
atravessa a história do homem, das antigas mitologias até as novelas. O ser
humano, especialmente durante a infância, adora ouvir histórias. Talvez o
papel da arte e da fotografia seja de manter viva a curiosidade que recebemos
de presente quando nascemos.
Pensando nas crianças, grupos escolares,
como as obras podem tocar o futuro do país?
A exposição em Brasília, no ano passado,
recebeu muitas crianças e escolas, e reparei logo que observavam
especialmente as fotos onde havia outras crianças. Tinha uma empatia
espontânea. Acho que é extremamente importante elas entenderem que existem
outras crianças em situações diferentes da sua realidade.
Em Brasília foram mais de 15 mil visitantes,
algum depoimento/retorno do público marcou mais?
Muitas pessoas se emocionaram em
Brasília. Eu e os monitores gravamos depoimentos lindos. A
exposição tem muitos retratos, então o público pode olhar e ser olhado
pelas fotos. É uma troca visual muito intensa, olhos nos olhos.
Em SP, a exposição estará em cartaz na
principal avenida da cidade, local de grande concentração de pessoas. Acredita
no potencial de que as obras possam despertar ainda mais uma conscientização do
público sobre a causa?
Sim. Vai acontecer naturalmente para
quem visitar a exposição livre de pré-julgamentos e abertas para refletir sobre
esta realidade.
O tema refugiados ganhou ainda mais
destaque por conta da guerra na Ucrânia. Quais reflexões podem ser feitas a
partir da exposição e dos relatos?
Hoje li um artigo onde o ACNUR estima
que em 2022, pela primeira vez, o número total de pessoas forçadas a fugir
da própria casa, vai ultrapassar a marca dos 100 milhões no mundo. Um número
impressionante. Imagina se metade da população brasileira fosse obrigada
a abandonar a própria casa. Tem a Ucrânia, tem a Venezuela,
mas também a Myanmar, o Burkina Faso, a Nigéria, o Afeganistão,
a República do Congo...
Segue trabalhando com o tema em outros
registros?
Sim, seguindo o caminho de
homo-narrans.
SERVIÇO:
Exposição ACOLHIDOS: o percurso da
Venezuela à integração no Brasil
Local: Edifício Banco do Brasil (Torre
Matarazzo). Lobby central
Endereço: Av. Paulista, 1230, Bela
Vista, São Paulo
Período: 27 de maio a 26 de junho de
2022
Horário: Segunda à sexta (8h às 20h).
Sábados, Domingos e Feriados (10h às 18h)
Entrada: Gratuita Classificação etária: livre
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