Normas de compliance e LGPD aplicadas ao agronegócio
Anelise Ambiel Dagostin e Luana Martins Moreira
É mais que reconhecida, atualmente, a
importância do agronegócio no cenário econômico brasileiro, tendo dele
decorrido os principais lucros durante o período pandêmico, enquanto, por outro
lado, o setor de serviços foi o mais afetado. Impossível deixar de mencionar,
ademais, a importância do agronegócio a nível mundial, já que está destinado a
atingir um fim maior, ou seja, a concretização de direitos fundamentais do
cidadão relacionados à vida digna, à saúde e, principalmente, à alimentação.
Isso importa em dizer que a atividade econômica que o campo desenvolve traz com
ela uma carga, que é inafastável, de responsabilidade social, ambiental e
econômica. A essa necessidade de se dar conformidade às responsabilidades
decorrentes da atividade exercida, a partir do fornecimento de certificações e
bonificações àqueles que atingem a conformação almejada, dá-se o nome de compliance.
No ambiente corporativo, um programa de compliance está relacionado
a um conjunto de medidas e procedimentos que tem o propósito de oferecer uma
orientação de comportamento para os casos de violação que sejam mais prováveis
e mais plausíveis, mitigando situações de exposição a riscos e redução de
perdas. Mais do que isso, segundo escrevem Renato Barichello Butzer e Emanoel
Lima da Silva Filho em artigo intitulado Compliance
no Agronegócio: Visão Geral (In: ZANCHIM, Kleber Luiz (coord.) – Direito Empresarial e Agronegócio
– São Paulo: Quartier Latin, 2016), o conceito de compliance evoluiu para se tornar, além de uma
mera recomendação, um verdadeiro estímulo ao cumprimento de normas internas e
externas pelos agentes de cada empresa, incutindo em cada um a ideia de
integridade. Ultrapassando os limites da gestão empresarial, a necessidade de
conformação e incentivo a tais políticas é também verificada no campo do agronegócio,
sobretudo para a observância de exigências ambientais, anticorrupção e voltadas
à exportação.
Apesar de ser tema que está em voga na
atualidade, já há tempos que as políticas de incentivo à melhor
responsabilidade social, ambiental e econômica atingem o agronegócio. Cita-se
aqui, por exemplo, a Política Agrícola Comum (PAC), lançada pela União Europeia
em abril de 1962 e vigente até os dias atuais, que tem como objetivos
principais, conforme descrito na página da PAC junto ao site da Comissão Europeia:
apoiar os agricultores e melhorar a produtividade do setor agrícola, garantindo
um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis; assegurar um nível
de vida digno aos agricultores europeus; contribuir para a luta contra as
alterações climáticas e a gestão sustentável dos recursos naturais; ajudar a
conservar o espaço e as paisagens rurais em toda a União Europeia; dinamizar a
economia rural, promovendo o emprego na agricultura, na indústria agroalimentar
e nos setores afins.
Voltando os olhos ao cenário nacional,
após fortes impactos causados por notícias seguidas e contínuas de escândalos
de corrupção, desmatamento, trabalho escravo e ausência de fiscalização nas commodities que são objeto
de exportação (a exemplo da “Operação Carne Fraca”, de 2017), também o governo
brasileiro passou a incentivar – e, mais do que isso – a exigir que boas
práticas fossem adotadas e cumpridas por aqueles que exercem a agroindústria,
com vistas a melhorar a imagem do país perante a comunidade internacional e a
impedir que novos embargos e outros impactos negativos voltassem a ocorrer.
Destaca-se, dentre as campanhas
existentes, a certificação denominada “Selo Mais Integridade”, que é um
reconhecimento concedido pelo governo federal a empresas do agronegócio que
adotam práticas de governança e gestão com o objetivo de diminuir os riscos de
desvios de conduta, sob a ótica da responsabilidade social, da sustentabilidade
e da ética, e que se empenha a contribuir para a diminuição das práticas de
fraude, suborno e corrupção.
Para além da obrigatoriedade de
observância e aplicação das regras gerais de compliance,
importante mencionar, ademais, a necessidade de conformidade, pelo agente do
agronegócio, às regras básicas voltadas à proteção de dados, sobretudo após a
entrada em vigor da Lei n. 13.709/2018 (LGPD), em setembro de 2020. Apesar de
ainda serem pouco explorados os impactos da proteção de dados no setor do
agronegócio, não há dúvidas que o empreendedor agroindustrial, em razão da
própria representatividade e da extensão que são inerentes à atividade
exercida, atua também com maior exposição a incidentes de segurança da
informação, tanto de seus dados quanto de dados de terceiros, o que implica na
imperiosidade de se incluir regras de proteção de dados junto aos programas de compliance, com o fim de
implementar medidas para assegurar o seu cumprimento.
Equivocadamente, existe a ideia de que
apenas empresas que atuam com grande volume de dados ou que prestam atividades
diretamente a pessoas físicas devem respeitar as normas de proteção de dados.
Entretanto, todos os agentes do setor do agronegócio devem ter em mente que,
assim como entidades de qualquer outro setor, eles operam, em algum grau, com
tratamento de dados pessoais que estão necessariamente sujeitos à LGPD e a outras
normas de proteção de dados (inclusive em grau internacional, considerando a
participação costumeira do setor em importações e exportações), estando também
sujeitos, por consequência, às sanções administrativas impostas pela ANPD ou
por órgãos estrangeiros, que vão desde a advertência, passando pela multa de 2%
do faturamento, até a proibição parcial ou total do exercício de operações
relacionadas a tratamento de dados, sanção que pode inviabilizar a manutenção
da atividade.
Estudo denominado “Visão 2030: O Futuro
da Agricultura Brasileira”, desenvolvido pela Embrapa e pelo Sebrae, mostrou as
profundas transformações ocorridas no setor rural brasileiro nas últimas
décadas e como a adoção de tecnologias no campo está em franco avanço. O
resultado da pesquisa aponta que, dos 753 produtores entrevistados sobre os
temas “tecnologia” e “agronegócio”, 84% utilizam pelo menos uma tecnologia
digital em seu processo produtivo; 70% usam internet e tecnologia em atividades
relacionadas à produção rural e 57,5% se valem do uso de mídias sociais para
divulgação de dados ou produtos. Isso só reforça a tese de que os empresários
do setor precisarão destinar cada vez mais recursos para garantir a integridade
de suas informações, implementando a política de tratamento de dados em seus
projetos de responsabilidade social, ambiental e econômica.
É certo, então, que para todos os agentes do agronegócio, conceder atenção especial aos preceitos da legislação nacional e internacional de proteção de dados, a fim de evitar usos indevidos de dados pessoais, incluindo a ocorrência de incidentes de segurança da informação, além de adotar políticas mínimas de responsabilidade social, ambiental e econômica, representa não somente uma forma de evitar ou reduzir o risco de penalidades, mas também a melhoria de sua imagem e reputação, além do consequente ganho de vantagem competitiva em relação a concorrentes que não estão adequados às regras de compliance.
* Anelise Ambiel Dagostin é advogada no
escritório Medina Guimarães Advogados, no setor Contencioso Cível. Bacharel em
Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Pós-graduanda em Direito
Ambiental e do Agronegócio pela PUC-PR. E-mail: anelise.dagostin@medina.adv.br
*Luana Martins Moreira é advogada no
escritório Medina Guimarães, no setor Recuperação de Crédito. Bacharel em
Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Pós-graduanda em Direito
Societário e Contratos Empresariais pela PUC-PR. E-mail: luana.moreira@medina.adv.br
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