PEC da Relevância - Entenda o novo filtro constitucional para admissão de recursos especiais pelo STJ objeto da PEC 39/2021
Juliana Martins Villalobos Alarcón é advogada
sênior da equipe de Ações Estratégicas no Rücker Curi Advocacia e Consultoria
Jurídica e especialista em Processo Civil.
De forma
similar ao que acontece nos recursos extraordinários, nos quais para
admissibilidade dos recursos extraordinários interpostos perante o Supremo
Tribunal Federal, no qual é necessário demonstrar a "repercussão
geral" da matéria constitucional em discussão, a Proposta de Emenda
Constitucional PEC 39/2021, que tramita desde 2012 no Congresso Federal e cria
um novo filtro
constitucional para admissão dos recursos especiais interpostos
perante o Superior Tribunal de Justiça, consistente na necessidade de
demonstração da “relevância das questões de direito federal
infraconstitucional” discutidas no caso concreto.
A Proposta
de Emenda à Constituição nº 39/2021, foi apresentada, em 23 de agosto de 2012,
pela Deputada Federal Rose de Freitas e, na Casa de origem, era identificada
como Proposta de Emenda à Constituição nº 209, de 2012. Após aprovação pela
Câmara dos Deputados, a PEC tramitou no Senado Federal sob o nº 10/2017, e foi
aprovada com emendas e à unanimidade, tendo retornado à Câmara dos Deputados
para apreciação das emendas elaboradas pelo Senado, em 08/11/2021, recebendo a
atual numeração 39/2021.
Na Câmara
dos Deputados, a tramitação tem sido rápida, já contando com parecer positivo
da Comissão de Constituição Justiça pela admissibilidade, sendo provável que
logo será submetida à votação pelo Plenário da Câmara.
A PEC
pretende alterar o art. 105 da Constituição Federal, para acrescentar os §§ 1º
e 2º, renumerando o atual parágrafo único como §3º, criando o requisito de
admissibilidade da “relevância da questão federal infraconstitucional” para os
recursos especiais, fixando pela inclusão no §2º pelo Senado hipóteses em que
se presumirá dita relevância, quais sejam, (i) nas ações penais; (ii) nas ações
de improbidade administrativa; (iii) nas ações cujo valor de causa ultrapasse
quinhentos salários mínimos; (iv) nas ações que possam gerar inelegibilidade;
(v) nas hipóteses em que o acórdão proferido pelas Cortes Regionais e Estaduais
contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça,
acrescentando ainda no inciso VI que a lei poderá também prever hipóteses de
relevância presumida.
Segundo o
texto da PEC, o requisito da relevância será exigido “nos termos da lei”, isso
é, a depender ainda de alteração no Código de Processo Civil para
regulamentação da matéria, a exemplo do que acontece com o critério da
repercussão geral dos recursos extraordinários, incluindo mediante emenda à
Constituição Federal e regulamentado pelo CPC, no art. 1.035. Porém, o §2º da
PEC determina que a relevância será exigida nos recursos especiais interpostos
já após a entrada em vigor da Emenda Constitucional, oportunidade em que a
parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de configurar a hipótese
de relevância presumida referente ao valor da causa.
Pode-se
concluir, portanto, que a exigência da demonstração pelo recorrente da
relevância passará a ser exigida pelo Superior Tribunal de Justiça
imediatamente após a entrada em vigor da Emenda Constitucional correlata, sem
necessidade de regulamentação prévia pelo CPC, sendo provável que se valham do
art. 1.035 da Lei Processual por analogia, posto que regulamenta o filtro
constitucional semelhante da repercussão geral dos recursos extraordinários.
A
justificativa legislativa para a inclusão desse novo filtro constitucional dos
recursos de estrito direito direcionados ao STJ, é de desafogar essa instância
julgadora, para que deixe de ser mero “Tribunal de revisão”, permitindo uma
atuação mais célere e eficiente daquela Corte, bem como que se torne um
Tribunal verdadeiramente de precedentes, dentro de sua missão de unificar a
interpretação da legislação federal infraconstitucional.
Conforme
consta no Relatório da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, de
acordo com a então Presidente do STJ, Ministra Laurita Vaz, os dados
estatísticos demonstram um claro “desvirtuamento” da função institucional do
tribunal, “julgam-se casos que não extrapolam o interesse das partes, em vez de
teses de relevância para a sociedade” e isso acaba “provocando irreparáveis
prejuízos à sociedade, notadamente porque impõe ao jurisdicionado uma demora
desarrazoada para a entrega da prestação jurisdicional”.
A intentio legislatoris
está bastante clara. Pretende-se com a criação desse novo filtro constitucional
diminuir o número de recursos submetidos à apreciação do STJ.
De todo
modo, a fim de garantir amplo debate acerca do tema e cuidar que a prestação
jurisdicional seja realmente efetivada, não só com celeridade, mas também com
qualidade, a PEC igualmente determina que a decisão de rejeição quanto à
existência da relevância deverá ser formulada pelo Colegiado e não
monocraticamente, apenas podendo se dar pelo voto de 2/3 dos membros da Turma julgadora,
anual é composta por 5 julgadores cada uma. Isso significa que a rejeição da
relevância apenas poderá se dar com voto nesse sentido de 4 dos 5 membros da
Turma, evitando decisões conflitantes no STJ acerca do tema, ao menos no âmbito
de cada Turma.
Poderá, no
entanto, haver divergência de entendimento entre as Turmas do STJ a respeito da
relevância de determinada questão. Nessa hipótese, o jurisdicionado continuará
a dispor de mecanismos que permitirão realizar a uniformização dessa
jurisprudência, mediante embargos de divergência (art. 1.043 e 1.044 do CPC),
incidente de assunção de competência (art. 947 do CPC), ou afetação dos
processos aos ritos dos recursos repetitivos (art. 1.036 e ss. do CPC).
Referida
alteração no texto constitucional irá exigir dos advogados maior preparo de
refinamento na elaboração dos recursos especiais, bem como um entendimento mais
profundo das questões federais discutidas e sua relevância para a sociedade, na
medida em que a partir da entrada em vigor da PEC da relevância as questões
federais aptas a serem submetidas a apreciação do STJ serão somente as questões
federais qualificadas e não mais as simples, conforme o foi até momento.
Desse modo,
deverá o advogado do recorrente demonstrar a relevância jurídica, social, econômica
ou política da questão federal discutida, o que lhe exigirá uma compreensão
mais aprofundada do direito e de suas repercussões, a fim de que o Superior
Tribunal de Justiça possa apreciar no recurso de estrito direito tanto as
premissas fáticas da qual partiu o Tribunal Estadual para chegar a sua
conclusão, quanto se foi correta a interpretação dada à legislação federal
infraconstitucional na causa decidida.
Juliana Martins Villalobos Alarcón é advogada sênior da equipe de Ações Estratégicas no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica e especialista em Processo Civil.
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