Perguntas obrigatórias do Brasil aos candidatos
Samuel Hanan**
Em pouco mais de três
décadas, o Brasil mergulhou numa crise econômica profunda que transcende a
questão político-partidária e continua a castigar a população, sobretudo a mais
pobre. O crescimento econômico do País é pífio se comparado com outros
períodos. Durante os cinco anos do governo de Juscelino Kubitschek (1956-61), o
crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 8,06% ao ano. No
recorte histórico dos 32 anos que antecederam a nova Constituição Federal (de
1956 a 1988) o Brasil registrou crescimento médio de 6,39% ao ano, desempenho
jamais alcançado depois disso. Nos 32 anos pós-Constituição de 88 (1989 a 2021)
o crescimento médio despencou para 2,05% ao ano e, nos últimos 12 anos (2011 a 2022),
sequer atingiu um dígito, ficando na média inferior a 0,80% ao ano.
Não raramente creditam
esse raquítico desempenho às crises externas. Um argumento insustentável. Basta
compararmos. Ainda que nesse período de fato o mundo tenha atravessado diversas
crises, enquanto o Brasil crescia somente 2,05% ao ano, a China apresentava
crescimento anual superior a 10%; a Índia crescia à ordem de 7,4% ao ano, a
Coreia do Sul, 6,74%; o México, 5,71%; os Estados Unidos, 4,43%; o Reino Unido
3,72% e a Alemanha, 3,47%. Todas essas nações souberam enfrentar as oscilações
externas enquanto o Brasil buscava culpados, somava seguidos planos econômicos
de resultados medíocres e afundava na estagnação, culminando agora com a
inflação atingindo novamente altos patamares e o fantasma da fome assombrando
33,1 milhões de brasileiros.
Em vez de trilhar o
caminho mais fácil de colocar a culpa nas crises estrangeiras, o Brasil
precisaria ter a coragem de admitir as verdadeiras razões que provocaram tal
situação, a começar de alguns dispositivos inseridos na Constituição de 88 e de
equívocos históricos, como a aprovação da emenda da reeleição para cargos
executivos.
Se de um lado a
Constituição Cidadã trouxe inegáveis avanços no campo social, de outro
possibilitou fenômenos que se mostraram desastrosos à Nação. Um exemplo é a
farra de criação de municípios: mais de 1.440 deles surgiram desde então, a
maioria com população inferior a 8.000 habitantes e sem qualquer viabilidade
econômica, dependendo exclusivamente dos repasses constitucionais do FPM, ICMS
e FUNDEB para se manter.
Outra excrecência
nacional é a amplitude garantida ao instituto do foro privilegiado, benefício
que alcança 55.000 pessoas, número sem similar em qualquer outro país do mundo.
Trata-se de verdadeiro escudo de impunidade, em contrariedade ao artigo 5º da
Constituição, segundo o qual todos são iguais perante a lei.
Igualmente desastrosa
se mostrou a admissão da reeleição para cargos executivos. Com ela, os
prefeitos, governadores e presidentes eleitos tomam posse e no primeiro dia de
governo já estão com o pensamento voltado para a conquista do próximo mandato.
Para concretização do novo projeto político, rapidamente as gestões se
transformam em governos de cooptação, com a concessão de privilégios injustificáveis
e a instalação de verdadeiros feudos partidários. Correção que poderia ser
feita com a fixação de mandatos mais extensos – garantindo tempo hábil para a
consolidação de programas de governo -, sem possibilidade de reeleição.
Nada justifica também o
gigantismo da máquina pública que compromete 42% das receitas dos três entes
federativos (União, Estados e Municípios) enquanto, paradoxalmente, mantém-se
remuneração indigna a professores e profissionais da saúde e da segurança
pública.
De igual forma, a
corrupção endêmica que drena os cofres públicos é estimulada pela impunidade
decorrente na nociva massificação do foro privilegiado e do excesso de recursos
judiciais e filigranas jurídicas que levam à prescrição dos crimes praticados
contra os cofres públicos. Como lembrou o ministro do STF Luiz Fux em recente
evento, ninguém pode esquecer de que houve corrupção na história recente do
Brasil, apesar de anulações de sentenças da Operação Lava Jato, por “questões
formais”.
Outra consequência
nefasta desse período pós-Constituição de 88 é a farra dos gastos tributários,
na verdade concessões de renúncias ou isenções fiscais injustificadas e
contrárias aos artigos 3º, 43º, 151 e 165 da Constituição Federal. São recursos
da ordem de R$ 380 bilhões/ano, o correspondente a 4,2% do PIB nacional, que
seriam suficientes para dobrar o atendimento no SUS, aumentar em 100% o salário
de professores e profissionais da saúde e da segurança pública, eliminar em
seis ou sete anos o déficit habitacional, dobrar o contingente da Polícia
Federal e gerar milhões de empregos todos os anos, garantindo renda e dignidade
para significativa parcela da população brasileira.
Agora, com a
proximidade das eleições, o eleitor precisa saber o que pensam os candidatos a
respeito dessas questões cujo enfrentamento é crucial para os rumos do País.
Até o momento, os pré-candidatos apresentaram mais do mesmo, fazendo abordagens
apenas superficiais dos principais problemas nacionais e prometendo soluções
pontuais e espasmódicas.
Jornalistas,
radialistas, debatedores e influenciadores precisam questionar os précandidatos
e, depois, os candidatos homologados, para que eles se posicionem com firmeza
em relação a esses problemas que emperram a nação. É necessário que o eleitor
saiba com clareza quem é favor e quem é contra a reeleição e qual candidato
assume publicamente o compromisso de propor a revisão desse instituto.
“O senhor (ou a
senhora) se compromete a combater a corrupção desde o primeiro dia de seu
governo?”. Esta é outra pergunta obrigatória. A seguinte é se irá propor
alteração na Constituição para tornar imprescritíveis os crimes praticados
contra a administração pública, para o restabelecimento da prisão em segunda
instância e para proibir que réus na Justiça – mesmo sem condenação definitiva
– sejam impedidos de concorrer a cargos públicos.
É a hora de os
candidatos responderem se concordam com o foro privilegiado da forma como
vigora hoje o instituto e se irão propor mudanças. Os profissionais da
imprensa, cujo trabalho é essencial a democracia, precisam perguntar clara e
objetivamente aos postulantes a governador e a presidente da República se eles
são a favor da redução dos tributos estaduais e federais sobre a cesta básica,
medicamentos, energia elétrica, óleo diesel e gás de cozinha, e o que pretendem
fazer sobre o tema. Da mesma forma, a população quer saber quem está
compromissado com a redução do gigantismo da máquina pública e quais dos
candidatos apresentarão propostas coerentes, concretas, dimensionando os custos
das realizações prometidas e as fontes de recursos para sua viabilização.
Somente tais
questionamentos poderão buscar transparência e fazer frente ao festival de
promessas vazias que costumam ser despejadas no horário eleitoral gratuito. É
preciso quebrar a plasticidade que emoldura os candidatos na campanha,
dissecando seus projetos para o país e revelando o que é promessa caça-voto e o
que efetivamente ataca o necessário e factível. Sem isso, o voto – obrigatório
– nunca será verdadeiramente consciente.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor do livro “Brasil, um país à deriva”.
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