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Precisamos lançar um olhar aos sinais negligenciados da doença falciforme

Por Dra. Marimilia Pita*

Junho é o mês em que temos a oportunidade de ampliar a conscientização sobre a doença falciforme, uma das enfermidades hereditárias mais comuns no mundo, caracterizada pela alteração das células vermelhas do sangue, tornando-as parecidas com uma foice, daí o nome da doença. Essas células têm a sua membrana alterada e rompem-se mais facilmente, causando a anemia¹.

Originária do Continente Africano, também pode ser encontrada em outras regiões como as Américas, Arábia Saudita, Índia, Europa (região do Mediterrâneo) e Oriente Médio. A doença falciforme constitui um grupo de doenças e agravos relevantes também no Brasil, por conta da grande presença de população afrodescendente³. A triagem neonatal, o famoso teste do pezinho, é o primeiro passo para o diagnóstico da doença falciforme, porém o diagnóstico definitivo só ocorre após os 6 meses de idade.

Calcula-se mais de 70 mil brasileiros convivendo atualmente com a doença e muitos mais com o traço falciforme, ou seja, pessoas que não desenvolvem a doença, mas podem transmitir o gene para as próximas gerações.

Mesmo em um país marcado pela miscigenação, como é o caso do Brasil, ainda persiste o estigma de que essa condição ocorra apenas em pessoas da raça negra, o que não procede, uma vez que temos muitos pacientes fenotipicamente brancos vivendo com esta patologia. Neste ponto, o racismo estrutural contribui para a piora da não aceitação.

Por outro lado, pelo nosso próprio histórico, a doença é encontrada principalmente entre os indivíduos economicamente menos assistidos, o que liga a doença à pobreza e às populações que vivem em condições de maior vulnerabilidade social.

A doença falciforme é marcada por uma alta mortalidade e por sintomas que trazem perda de qualidade de vida. As pessoas que vivem com DF vivem em média somente até aos 32 anos de idade, cerca de 40 anos a menos do que a população em geral e têm a qualidade de vida mais impactada que o paciente com câncer.4,5 Durante os episódios de dor aguda, os pacientes não conseguem trabalhar ou estudar, o que causa inúmeras hospitalizações, inclusive em Unidades de Terapia Intensiva (UTI).

Todo esse contexto de hospitalização, mortalidade e pouca qualidade de vida, traz um grande impacto para a sociedade brasileira. Estima-se que o custo da DF para o país anualmente ultrapasse R$ 1,5 bilhão.6

Como especialista que atua há anos na defesa dos direitos das pessoas com doença falciforme, entendo ser essencial chamar a atenção sobre os sinais invisíveis dessa doença, que é sistêmica e pode causar danos em diversos órgãos. A falta de empatia e o desconhecimento sobre a gravidade da doença provoca danos ainda mais severos que os próprios sintomas.

O efeito disso, é que as manifestações de transtornos psicológicos e emocionais, como a baixa autoestima, se tornaram uma característica comum desses pacientes, impactando negativamente na evolução da própria doença. Diante deste cenário, trabalhar em prol de políticas públicas que ampliem o acesso aos tratamentos que trazem consequente melhora da qualidade de vida dos pacientes com doença falciforme é mais que essencial, é urgente.

Dia 19 de junho marca o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme. Como presidente da ONG Lua Vermelha (www.aluavermelha.org) que apoia estes pacientes, apoiamos  a campanha  #EuSinto, com o intuito de comunicar e conscientizar a população em geral  sobre a doença falciforme e consequentemente, chamar a atenção daqueles  que  são responsáveis pelas decisões na área da saúde neste país, para que se conscientizem  sobre os desafios e preconceitos vividos pelas pessoas com a enfermidade, uma doença devastadora, que não tem sinais aparentes e, por isso, é negligenciada. Mais do que nunca, precisamos tornar essas dores visíveis.

Referências:

1Doença falciforme – Diretrizes Básicas da Linha de Cuidado. Disponível em: ttps://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doenca_falciforme_diretrizes_basicas_linha_cuidado.pdf. Acesso em junho de 2022.

2 doenca_falciforme_condutas_basicas.pdf (saude.gov.br). Acesso em junho de 2022.

3 Anemia falciforme | Biblioteca Virtual em Saúde MS (saude.gov.br). Acesso em junho de 2022

4 Cançado, Rodolfo D., et al. "Sickle Cell Disease Mortality in Brazil: Real-World Evidence." Blood 138 (2021): 3025.

5 Kato GJ, Piel FB, Reid CD, Gaston MH, Ohene-Frempong K, Krishnamurti L, Smith WR, Panepinto JA, Weatherall DJ, Costa FF, Vichinsky EP. Nat Rev Dis Primers. 2018 Mar 15;4:18010

6 Pinto ACS. et al. ASH 2020 Poster 3409

 

*Marimilia Pita é médica hematologista-pediátrica do Hospital Samaritano de São Paulo, idealizadora do projeto Lua Vermelha e fundadora do Comitê de Pediatria da ABHH (Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia), com especialização no St. Jude Children’s Research Hospital (Memphis, Tennessee).

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