Afinal, o negociado prevalece sobre legislado?
Por Flaviana Moreira Garcia*
Recentemente, houve o julgamento de dois
recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) referentes à ADPF 381 e outra
Repercussão Geral Tema 1.046 que tratam sobre os direitos dos trabalhadores. Notamos que as
notícias que circularam sobre esses assuntos geraram dúvidas, uma vez que
aparentemente o STF tomou duas decisões distintas sobre o mesmo tema.
É importante esclarecer que ambos os
recursos têm a mesma matéria constitucional e foram escolhidos para que o STF
analise de vez a possibilidade de prevalência de convenções e acordos coletivos
de trabalho (ACT/ CCT) sobre o legislado, bem como seus limites, haja vista que
a Constituição Federal, em seu art. 7º, estabelece os direitos fundamentais dos
trabalhadores e, no mesmo artigo no inciso XXVI, reconhece a validade de CCTs.
No primeiro caso analisado a ADPF 381,
trata-se de um recurso interposto pela Conselho Nacional do Transporte (CNT) em
que se pleiteava a nulidade ou invalidade de cláusulas coletivas que até 2012
previam a aplicação do art. 62, I da Consolidação das Leis Trabalhistas aos
motoristas externos. Em razão da previsão convencional, esses empregados
estavam excluídos do controle de jornada de trabalho e, consequentemente, do
direito ao recebimento de horas extras.
Contudo, a discussão decorria exatamente
pelo fato da existência da possibilidade de controle de jornada por parte das
empresas por meio de tacógrafos, por exemplo. Em razão disso, esses
trabalhadores estavam sendo prejudicados em virtude de tais cláusulas
coletivas.
Alguns Tribunais Regionais do Trabalho
(TRTs) e o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) já tinham se posicionado
invalidando tal cláusula. O STF, neste caso específico, assim como os Tribunais
e o TST, entendeu que a norma prevista na CCT feria as regras constitucionais,
uma vez que, em que pese esses motoristas exercerem atividades externas, havia
a possibilidade de controle de jornada de trabalho e, inclusive, com cobranças
de metas de deslocamento, motivo que comprovou que a jornada cumprida por esses
trabalhadores era superior ao estabelecido na Constituição Federal. Assim,
analisando um caso na prática, o STF invalidou o negociado e o empregador teve
que pagar as horas extras a esses trabalhadores.
Já no recurso ARE 1121633, tratava sobre
horas extras in itinere
– esse caso foi selecionado para representar e decidir a questão do Tema 1.046
– de repercussão geral, cujo objeto de análise foi a possibilidade ou não de
que o negociado prevalecesse sobre o legislado.
No caso analisado, do processo de
repercussão geral, tratava-se de cláusula convencional que não considerava como
horas extras o deslocamento do empregado para o local de trabalho e vice-versa,
juridicamente chamado de horas extras in
itinere. A maioria dos ministros do STF entendeu que, por se tratar
de direito disponível não previsto na Constituição Federal e ainda por entender
que na CCT houve concessões compensatórias, a previsão contida na CCT que
excluía o direito ao pagamento de horas extras in itinere aos trabalhadores era válida.
Diante do exposto, notamos dois
movimentos distintos. Um que a CCT vale sobre o legislado e outro que não, o
que, na prática, significa dizer que o STF reconheceu a importância da
autonomia das partes e a possibilidade de firmarem acordos e convenções
coletivas conforme suas necessidades e peculiaridades, assim como dispôs a
Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) em seu artigo 611-A e a ACT ou CCT. Ambos
podem prever concessões que restrinjam ou delimitem direitos trabalhistas, mas
sempre observando os direitos indisponíveis previstos no art. 7º da
Constituição Federal.
*Flaviana
Moreira Garcia é sócia-fundadora do escritório Moreira Garcia Advogados,
Pós-Graduada em Direito e Processo.
Sobre o Moreira Garcia Advogados Associados – Focado em advocacia trabalhista, tributária e empresarial/societária, o escritório Moreira Garcia Advogados Associados foi fundado em 2015 e apresenta aos clientes soluções por meio de estratégias consultivas e preventivas, além de oportunidades de negócio. A banca conta com profissionais com mais de 15 anos de experiência, apresentando amplo domínio em áreas do conhecimento que ultrapassam o campo jurídico e incluem contabilidade, tributação, acordos e negociações coletivas. A sede está localizada em Porto Velho, Rondônia, e a firma tem como sócios Flaviana Moreira Garcia e Diego Weis Júnior.
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