Aprender a aprender
Marco Antonio Spinelli*
Uma querida amiga que
esteve na linha de frente da Covid contou um divertimento algo sádico como os
negacionistas e anti vacinas, que chegavam no hospital batendo no peito e
berrando que não tinham medo do tal do Coronavírus, até começarem os primeiros
sinais de febre ou de falta de ar. Alguns pediam pelo oxigênio com algum
desespero, com a saturação de O2 completamente normal. Traduzindo para os
queridos leitores, uma falta de ar terrível com exames mostrando uma oxigenação
completamente normal. Também conhecida como uma crise de Ansiedade. Eu, aqui
com meus botões, e imagino que muita gente que está lendo esse texto, devemos
lembrar com sinceridade de momentos em que parecia que o ar faltava e que o
terrível vírus parecia estar se espalhando pelo nosso corpo. Crises falsas de
Covid. Nos primeiros meses da Pandemia, tive alguns episódios, então não vou
ficar rindo dos negacionistas. O fato é que toda a Ideologia desmorona quando
começa a apertar o nosso calo, então é melhor não pagar de machão quando o
assunto é nossa saúde.
O conhecimento
científico amplamente difundido vem criando um novo tipo de Doença Coletiva, a
Normose. Como hoje as fronteiras entre Virtude e Pecado, temos uma nova
moralidade, em que pecado é estar doente, e a virtude máxima é a absoluta
Saúde. O que significa esse conceito, também está aberto a amplo debate.
Devemos ser carnívoros ou vegetarianos, magros ou mais magros (já que a imensa
maioria, como eu, estamos mais para o sobrepeso ou coisa pior). Exercícios
físicos regulares, alimentação rica em prebióticos, ou muitos vegetais, e
probióticos, novos queridinhos de nutricionistas e nutrólogos. Adeus farinhas,
açúcares e derivados do leite. Pode se perguntar o leitor: você é contra tudo
isso, Spinelli? Virou um psiquiatra negacionista? Claro que não. Óbvio que não.
O meu problema não é com os cuidados de saúde. O meu problema é com a forma de
comunicação. Digo para todos os meus pacientes que toda frase que começa com
“Eu tenho que …” está inevitavelmente fadada ao fracasso. “Eu tenho que
emagrecer”; “Tenho que ter vergonha na cara e fazer minhas caminhadas”; “Tenho
que cortar os carboidratos”. E por aí vai. A Neurociência diz que que a tal
Força de Vontade é como um foguete que mira na Lua e cai em duas esquinas. A
tal da força de vontade se alimenta de promessas que alguém faz sabendo que não
se pode cumprir. Atenção, meninas: cuidado com caras que se apaixonam logo e
saem fazendo planos e promessas mil: esse foguete tende a ser um teco teco
disfarçado. Nossas promessas de Ano Novo costumam ter o mesmo destino. Estamos
destinados ao fracasso de nossas boas intenções? Não. Claro que não.
Como podemos cumprir
nossas promessas e ter uma vida mais saudável? Antes de mais nada: faça
projetos viáveis. Em vez de tentar correr a São Silvestre no primeiro dia de
treinos, faça algo que se possa repetir, como treinos de vinte minutos. Procure
todo apoio que for possível: nem todo mundo pode pagar um Personal Trainer,
então veja grupos de dietas, grupos de caminhadas, grupos de meditação, grupos.
A solidão e o isolamento são doenças antigas mas que atingiram proporções
pandêmicas em nosso tempo. Fazer as coisas com a motivação de não deixar na mão
o seu grupo, não decepcionar sua amiga, tem muito mais chance de sucesso.
Grupos de Ajuda produzem melhores resultados que promessas de Domingo, do tipo:
amanhã começo a dieta.
Mude hábitos um por um.
Não tente, na mesma semana, entrar para a Academia, fazer jejum intermitente e
baixar um aplicativo de Musculação e outro de Meditação. O seu foguete vai cair
em uma semana. Ou menos.
Hábitos se mudam um por
um, não por atacado.
Temos acesso a uma
quantidade infinita de informação. Tem até um nome bonito para isso,
Information Overload, Sobrecarga de Informação. Nas Redes Sociais e no Youtube,
a quantidade de gurus querendo mudar a nossa vida é algo próximo de um
Cyberbullying: faça isso, não faca aquilo, ouça o que eu digo, não ouça
ninguém, fique magro, fique forte, proteja-se que o bicho papão está por aí.
Sabemos, todos, que é melhor ter uma vida saudável, é fundamental fazer
exercícios e ter alguma harmonia com seu mundo interno, seja com Meditação,
seja rezando o Terço, seja fazendo tricô. Mas esses hábitos devem ser
trabalhados um de cada vez.
Uma semana de detox de
comida que não é comida. Três horários reservados por semana para exercícios
possíveis. Um ingrediente novo na dieta, como legumes e verduras. Reduzir como
for possível a quantidade de pães, bolachas, açúcar e derivados do leite que
deixam nosso organismo mais inflamatório. E quanto mais você fizer isso com
outras pessoas, melhor. Um terapeuta, um nutricionista, seu médico, sua
família, seus amigos.
Beto Guedes cantava: “A
lição sabemos de cor, só nos resta aprender”. Eu diria que a lição sabemos de
cor, só nos resta aprender a aprender.
(Quando terminava esse
texto, vem a mensagem de um aplicativo: quando vai se permitir ser apenas você
mesmo? Deletei o aplicativo)
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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