Justiça do Espírito Santo reconhece legalidade da Buser, derruba bloqueio de R$ 45 milhões da startup e defende o circuito aberto
Magistrado destaca que imposição da regra do
circuito fechado ao transporte por fretamento fere autonomia e liberdade de
locomoção dos consumidores
Em decisão que confirma a legalidade do
modelo de negócios da Buser, a 10ª Vara Cível de Vitória (ES) derrubou o
bloqueio judicial de R$ 45,3 milhões da startup, que é a maior plataforma de
intermediação de viagens rodoviárias do País. A sentença desta segunda-feira
(25/7) deu ganho de causa à Buser e às duas empresas de fretamento parceiras na
ação movida pela Viação Águia Branca.
Trata-se de uma das mais importantes
decisões jurídicas nesse embate entre as velhas empresas de ônibus, que há anos
formam um oligopólio para barrar a concorrência e manter privilégios sem prestarem contrapartidas ao Estado,
e as novas empresas de tecnologia que ofertam viagens até 60% mais baratas no
modelo conhecido como fretamento colaborativo – no qual os viajantes dividem a
conta final do frete.
A Águia Branca, derrotada nesta
sentença, é uma das maiores empresas de ônibus do País e o maior grupo empresarial do Espírito
Santo. É uma das principais opositoras da Buser nos tribunais.
A decisão na Justiça capixaba se junta a outras proferidas pela Justiça em
estados como São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, todas favoráveis ao novo
modelo.
Além de dar ganho de causa à Buser e às
fretadoras, o juiz Marcelo Pimentel defendeu o livre mercado e criticou a norma
do circuito fechado – regra anacrônica de 1998 que obriga as empresas
fretadoras a transportarem o mesmo grupo de passageiros tanto na ida quanto na
volta de uma viagem (saiba mais ao final desse texto). Essa regra do circuito
fechado está sendo debatida no Congresso Nacional, dentro da Comissão de Viação
e Transporte.
“Não é clandestina”, diz juiz
O juiz Marcelo Pimentel reconheceu que
as fretadoras que
efetivamente fazem o transporte, Aliança Turismo e
Transportadora Turística Natal Ltda, como alegou a Águia Branca, já que as duas
empresas contam com as autorizações e licenças necessárias para o transporte
fretado de passageiros. Também ressaltou que a Buser garante a todos os
usuários o seguro de acidente pessoal. “Resta, portanto, equivocada e
prejudicada a insinuação da autora de que as demandadas realizam transporte
irregular e clandestino.”
Na decisão, o magistrado também
confirmou que a Buser é uma plataforma tecnológica que atua como uma
intermediária para a realização dos serviços de fretamento, ligando passageiros
às empresas de fretamento. “Além disso, não há venda de passagens, mas sim
proporciona o rateio dos custos”, ressaltou.
Pimentel afirmou, ainda, que a prática
da intermediação não pode ser confundida com a prestação do serviço em si, que
fica a cargo das fretadoras. “Os mencionados serviços igualmente são praticados
pelo Ifood e Uber Eats, que intermediam pessoas (usuários/consumidores) a
estabelecimentos comerciais e restaurantes, não sendo estes o prestador de
serviço, mas tão somente o intermediador”, comparou.
O magistrado também fez referência à Lei
nº 10.233, que impõe condições para conceder a autorização e exploração da
atividade de transporte coletivo rodoviário via fretamento e regular. Segundo
ele, a norma em nada apresenta óbice aos serviços de intermediação prestados
pela Buser.
Para Pimentel, as alegações e,
sobretudo, a jurisprudência confirmam que os serviços de viagens prestados
pelas fretadoras e pela Buser “não são regulares, e sim sob demanda”, diante da
necessidade da formação de um grupo com número de passageiros suficiente para
que elas se realizem. “Mesmo que houvesse a caracterização da frequência, essa
não é especificidade do transporte regular de passageiros, uma vez que,
trata-se de um raciocínio simples: se as demandadas realizam transporte por
demanda, e as mesmas possuem diariamente em horários distintos certa quantidade
de passageiros que desejam viajar para determinados destinos, elas não deveriam
prestar tal serviço?”, questiona o juiz.
Na sequência, o próprio Pimentel responde:
“Neste contexto, entendo que assumir que as autoras não podem fazer fretamento
diário e ‘regular’ para um destino de alta demanda, seria o mesmo que
corroborar com a tese de que as empresas demandadas e fretadoras de viagens
interestaduais não podem ter um grande volume de clientes e usuários de seus
serviços. (...) Este posicionamento é contraproducente, pois nega o objetivo de
desenvolvimento econômico necessário a qualquer modalidade de negócio”, afirma
o magistrado.
Quanto à acusação de emissão e venda de
passagens, Pimentel reforça que a Buser pratica o rateio dos custos do
fretamento, cujos preços variam de acordo com o número de passageiros para
realizar a viagem. “A Buser trata de uma nova forma operacional de ligações de
serviços de transporte rodoviário que possuem frequência, ou seja, viagens
diárias, diante da grande demanda de usuários do serviço, mas não porque
prestam serviço regular, funcionando com horários de viagens que estão sujeitos
a procura dos passageiros por aqueles trechos para que ocorram.”
Circuito fechado extrapola a livre
iniciativa
Na decisão, o magistrado também tratou
da regra do circuito fechado (prevista na Resolução 4.777/15 da ANTT e no
Decreto 2.521/98). Para Pimentel, essa norma é abusiva. “Tal regramento cria
uma obrigação não só para a fretadora autorizada, mas igualmente uma imposição
ao usuário (consumidor) do serviço, o que se mostra incompatível aos preceitos
legais, ferindo a autonomia da vontade e a liberdade de locomoção deste,
deixando ainda a prestação de serviços da empresa fretadora dependente”.
O juiz também reconheceu que a Buser não
descumpre a regra do circuito fechado ao oferecer a possibilidade de o
passageiro viajar apenas o trecho de ida ou somente de volta, pois isso está de
acordo com o Código de Defesa do Consumidor, que assegura o direito de
liberdade de escolha. “Portanto, se a Buser e suas parceiras de serviços de
fretamento condicionarem os usuários (passageiros) do seu serviço à
obrigatoriedade de adquirir trecho de ida e volta para caracterizar ‘circuito
fechado’ estaria esbarrando em outros preceitos legais, configurando inclusive
prática abusiva e venda casada.”
Na sentença, Pimentel vai mais longe e
afirma que a norma do circuito fechado claramente se contrapõe ao Decreto
10.157/19 e à Lei da Liberdade Econômica. Para o magistrado, a regra promove a
reserva de mercado “criando privilégios exclusivos sem nenhum motivo” às
empresas prestadoras do serviço de transporte regular de passageiros, além de
impedir novos negócios e tecnologias, como a Buser. E acrescenta que a regra
contraria a Política Federal de Estímulo ao Transporte Rodoviário de
Passageiros, “que determina que os únicos requisitos para a prestação dos
serviços de transporte devem ser os de segurança”.
“A decisão reforça a ideia de que a
inovação é o futuro. Mais uma vez, a Justiça reconhece que o modelo de negócio
da Buser é tendência e está dentro da legalidade”, ressalta a banca de
advocacia do escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados, que atua
pela Buser em âmbito nacional. Para o advogado/escritório, o reconhecimento de
que o uso da tecnologia para intermediar serviços de transportes é diferente da
prestação do serviço em si significa muita coisa, é um grande avanço.
Para o escritório Gama Barreto, Maioli e
Zumak Advogados Associados, que atuou pelo caso no estado do Espírito Santo, a
decisão é uma vitória importante não só pelo mérito de tirar as amarras da
Buser no estado, mas porque mostra o Judiciário decidindo, mais uma vez, em
favor da inovação e da livre iniciativa. Isso abre um precedente para todo o
ecossistema de inovação e tecnologia no país, servindo de referência para
outros tribunais. “O circuito fechado é o principal empecilho para a atividade
do fretamento colaborativo hoje. Com a jurisprudência favorável ao transporte
por app e contrária a essa regra anacrônica, ganha a liberdade de mercado,
ganha a inovação”, afirmou a banca de advocacia.
Processo: 0003189-17.2020.8.08.0024
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