Precisamos falar sobre suicídio infantil
Marco Antonio Spinelli*
Uma cliente querida me
passou um áudio divulgado no grupo das mães do colégio de sua filha. Estavam
todas apavoradas pela notícia do suicídio violento e dramático de uma criança
de treze anos em um conceituado colégio de São Paulo. Quando digo EM um
colégio, estou sendo literal. A menina tirou a própria vida dentro do seu colégio.
Sei poucos detalhes e não é o objetivo desse artigo revelá-los. A mensagem era
de uma mãe terapeuta que mencionou o risco do efeito “contagioso” do suicídio
em crianças e adolescentes, o que pode provocar o “Cluster Suicide”, ou
Suicídios em Série. A mensagem estava indo muito bem, sobre a importância de
não se dar excessiva ênfase no assunto para não traumatizar nem amplificar o
impacto da história. Concordo. No final ela sugeriu que era melhor não falar
sobre o assunto com as crianças, para não criar o efeito da contaminação.
Discordo completamente. E explico.
É bastante bem
estabelecido que a Mídia e a Imprensa devem tratar esse tipo de notícia com
muita delicadeza. Já é bem claro que um dos fatores de risco para suicídio,
notadamente na puberdade/adolescência está diretamente relacionado ao suicídio
de amigo, colega ou pessoa próxima. Há alguns anos tivemos em outro colégio de
São Paulo a ocorrência desse fenômeno: dois adolescentes desse colégio tiraram
a própria vida, em um curto espaço de tempo. Todo mundo deve, ou deveria, tocar
nesse assunto com extremo cuidado. Todo mundo? Não, todo mundo não. Em tempos
de Redes Sociais, as mortes são postadas e os detalhes expostos de maneira
gráfica, atingindo crianças de idades cada vez mais precoces. O conselho da
colega, portanto, é completamente improcedente. Se os pais não falam sobre esse
assunto, muitas mensagens, comentários e fotos vão chegar aos computadores e
celulares de seus filhos, aumentando o risco de contaminação. Muita gente fica
em estado de paralisia e tem medo de induzir o comportamento se o assunto for
abordado. Na minha opinião, o assunto pode e deve ser abordado pelos pais. E os
filhos, em vez de serem vistos como potenciais suicidas, podem ser convidados a
ajudar e cuidar de colegas mais vulneráveis. E quem são os colegas mais
vulneráveis? Os colegas que tem ou passaram por quadros depressivos, passaram
por ou cometeram atos de violência, os que usam álcool e outras drogas
precocemente. Há também os alunos isolados, que afastam quem deles se aproxima
e alunos que estejam sofrendo qualquer tipo de bullying no ambiente escolar ou
social a que pertencem.
Os pais devem
estar atentos, abrir canais de diálogo e criar condições para se montar uma
corrente de proteção na comunidade. Em vez de projetar na criança o medo e a
insegurança dos pais, o melhor caminho é empoderar as crianças com a informação
e a “tarefa” de olhar pelo próximo e oferecer atenção e quem sabe, compaixão
para ele.
O Suicídio é a segunda
causa de morte em crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. Isso em um país
que muitos jovens se ferem e morrem em assaltos, acidentes e diversas formas de
violência. O Suicídio é uma praga silenciosa, subnotificada e oculta, que está
se espalhando e criando novas vítimas. Não devemos mais olhar para isso com
indiferença ou culpar a família das vítimas ou apontar o dedo para as escolas.
Procurar por culpados é um jeito de esconder a sensação que todos participamos
desse mundo que tem fragilizado e ignorado as dificuldades de travessia dessas
crianças até a idade adulta.
Uma das coisas mais
chocantes da morte dessa menina em São Paulo foi o fato dela ser uma menina e
ter usado um método violento. Como nos adultos, os meninos são mais efetivos e
mais violentos em suas tentativas. As meninas tentam mais e conseguem menos.
Isso também está mudando. As Redes Sociais tem aumentado o risco suicida entre
as meninas. O Pós Pandemia também tem criado uma quase avalanche de transtornos
ansiosos e estressores de readaptação ao mundo real de crianças que passaram
dois anos em isolamento e imersão virtual.
Estudos mostram que a
sensação de exclusão ou agressão ativam áreas relacionadas com a dor nas
crianças e adolescentes. A sensação de dor pode gerar o comportamento de skin
cutting, ou de cortes na pele, numa tentativa paradoxal de inibir a dor da
angústia com a dor física e as endorfinas que o corpo libera com os cortes.
Devemos alertar e orientar as crianças e adolescentes sobre o Bullying, os
comentários maldosos e essa moda de série americana de transformar a escola em
um campo de batalhas entre grupelhos e disputas de popularidade. Está na hora
de romper com o silêncio de deixar o bullying correr solto, porque “as crianças
precisam resolver isso entre elas”, ou “não podemos invadir o espaço delas”.
Adultos não devem irromper nas brigas das crianças nem devem invadir os
segredos que todos tem nessa fase, sim, mas devem estar atentos sobre as dores
que essa transição está causando e tentar proteger a todos: seus filhos e os
seus colegas. Porque os números estão aumentando, e não podemos virar apenas
números.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
Nenhum comentário