Educadora cria negócio social de educação e saúde menstrual para quebrar tabus, gerar autonomia e promover a dignidade menstrual
Educadora Menstrual realiza
oficinas e rodas de conversa sobre o ciclo menstrual e a menstruação; o lucro
com essas atividades mantém a realização de trabalhos gratuitos em escolas e
comunidades em situação de risco
A interrupção da pílula
anticoncepcional revolucionou a vida da empreendedora social Silvana Guerreiro.
Após a decisão, ela começou a refletir não somente sobre sua relação com o
ciclo menstrual, como também sobre outros aspectos da sua vida. Percebeu que
não se encaixava na rotina que estava levando, decidiu pedir demissão do
emprego, onde ocupava cargo de liderança, e começou uma jornada em busca do seu
propósito. Foi como educadora menstrual que ela se encontrou. Hoje, Silvana
dedica-se a quebrar tabus em torno da menstruação e a transformar a relação de
outras mulheres com seus corpos.
Em 2019, Silvana, que é educadora
física, concluiu uma formação em terapia menstrual, começou a procurar mais
informações e a questionar alguns comportamentos comuns entre as mulheres, como
o sentimento de aversão ao ciclo menstrual e a falta de conhecimento sobre como
lidar com as mudanças inerentes ao período e sobre remédios para “interromper”
a menstruação.
“Como a menstruação foi colocada,
de alguns séculos para cá, como algo sujo, impuro, errado e ruim, isso fez com
que as mulheres fossem diminuídas em relação aos homens, como se elas
representassem uma falha por menstruarem. Isso se estende até hoje,
infelizmente, com o reforço da indústria farmacêutica. Vemos as pessoas
tratando a menstruação como uma escolha e não como algo natural. Longe de
romantizar a menstruação, mas é importante trazer para reflexão de que há um
interesse em manter as pessoas distantes do seu corpo e do seu ciclo porque
aquelas que têm essa consciência, têm autonomia, poder de escolha,
posicionamento para questionar aquilo que acontece com elas”, afirma
Silvana.
Impacto
social
Foi a partir do seu incômodo que
ela teve a ideia de criar um projeto sobre educação menstrual. Só não sabia por
onde começar. A virada de chave aconteceu em 2021, quando começou a participar
do Programa Gestar de
Aceleração e Incubação Social, criado pela organização social Ponto de Cultura
Povos da Mata Atlântica para impulsionar o
empreendedorismo social e a inovação cidadã na região do Vale do Ribeira.
Durante a aceleração, ela aprendeu sobre temas como modelo de negócios, criação
de marca, planejamento estratégico e captação de recursos. “Foi por meio desse
trabalho que a ideia começou a sair desse lugar de ser só um desejo, para se
tornar algo concreto”.
Esse aprendizado resultou na
criação da Educadora
Menstrual, um negócio social de educação e saúde menstrual
que tem o propósito tornar natural o diálogo sobre o ciclo menstrual e a
menstruação, contribuindo para a dignidade menstrual e a emancipação das
pessoas que menstruam. A iniciativa realiza oficinas, palestras, rodas de
conversa e capacitações sobre o tema, contribuindo para a quebra de tabus e
para gerar conhecimento sobre o corpo e sobre o poder de escolha para
questionar desigualdades e discriminações sociais. O lucro sobre a venda dessas
atividades é direcionado para a realização e manutenção do trabalho de impacto
do negócio por meio do Projeto EmanCicla, que faz
esse conhecimento chegar de forma gratuita para estudantes da Rede Pública de
Ensino e para comunidades em situação de risco.
Falar em
pobreza menstrual também é falar sobre falta de acesso à informação
Para Silvana, é importante falar
sobre menstruação para romper os tabus sobre o assunto e difundir conhecimento
para incentivar o poder de escolha, a consciência e a autonomia sobre os
corpos. Um dos temas indissociáveis dessa discussão é a pobreza menstrual: um
fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado não só
devido à falta de acesso a recursos e infraestrutura, como ao conhecimento. A
falta de acesso à informação de qualidade expõe as pessoas que menstruam ao sentimento
de vergonha e alimentam mitos em torno do tema, além de trazer dificuldade para
socialização com familiares e seus pares, o que impacta diretamente na
autoestima.
No relatório “Pobreza menstrual no Brasil:
desigualdades e violações de direitos”, o Fundo de População
das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
salientaram que garantir os direitos menstruais é essencial para “contribuir
para a promoção da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, do direito à água
e saneamento, da equidade de gênero e da autonomia corporal, condições para que
todas as pessoas que menstruam desenvolvam seu pleno potencial”.
Publicado em 2021, o documento
apresenta a educação menstrual como caminho para que as pessoas que menstruam
conheçam seu próprio corpo, seu ciclo menstrual e, consequentemente, haja
promoção de bem-estar e saúde. “Esse conhecimento deve levar a superar mitos de
inferioridade feminina que apontam a menstruação como podridão, indignidade ou
como falha em produzir uma gravidez. Deve ainda contribuir para derrubar mitos
de que os produtos menstruais internos (absorvente interno, coletor) ‘tiram a
virgindade’ ou ‘podem se perder dentro do corpo’, entre outros”, indica o
relatório.
Educação
menstrual na escola
Embora exista um pressuposto de que
a pobreza menstrual ocorra em alguns grupos sociais, é um equívoco acreditar
que o problema afeta apenas pessoas que vivem em áreas de vulnerabilidade, em
situação de rua ou de cárcere. Qualquer pessoa que menstrua pode ser prejudicada
por ela, já que existem uma série de fatores que a alimentam, como o medo e a
vergonha de falar sobre menstruação dentro de casa.
A professora de Ciências Biológicas
Gisele Villar conhece a relevância do tema. Depois de participar de uma das atividades da Educadora
Menstrual, convidou Silvana para ministrar uma disciplina eletiva para alunos
do Ensino Médio na Escola Estadual Professora Yolanda Araújo Silva Paiva, em
Cananeia. “Não é todo mundo que fala sobre sexualidade e ciclo menstrual de forma
tão detalhada. Até eu me coloquei em um lugar que não falava tão detalhadamente
quando dava aulas de Ciências e Biologia”, conta a professora. Durante dois
bimestres, os estudantes discutiram temas como a biologia do ciclo menstrual,
as mudanças de comportamentos em cada fase do ciclo menstrual, pobreza
menstrual e autocuidado.
“As alunas aprenderam coisas que
não sabiam, tinham raiva de menstruar, algo que é muito forte nas adolescentes.
Fomos quebrando isso, foi uma semente plantada”, relata Gisele, que destacou
que as aulas também foram importantes para mudar a percepção dos meninos em
relação ao tema e difundir conhecimento dentro de casa. Um dos jovens chegou a
despertar também o interesse da mãe nas discussões. “Neste ano, estou separando
vários livros sobre esses temas de sexualidade e empoderamento feminino para
incentivar a leitura”, conta a professora.
Oficina Meu
Ciclo, Meu Guia
No dia 10 de setembro, das 14h às 17h30, haverá uma oficina da Educadora Menstrual na cidade de Sorocaba, em São Paulo. O encontro é voltado para mulheres a partir dos 18 anos e as informações completas poderão ser encontradas pelo whatsapp (15) 98161-6405 ou pelo e-mail contato@educadoramenstrual.com.br. As inscrições estarão abertas a partir do dia 20/08 na página @educadoramenstrual no Instagram, onde também é possível acompanhar os trabalhos. O lucro com a venda da oficina será investido na realização e manutenção do projeto EmanCicla.
Nenhum comentário