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Etarismo: preconceito pode assumir diversas formas cotidianas

O estigma da idade provoca o sentimento de desajuste e acentua o isolamento

Créditos: iStock

Andréa Beltrão postou um vídeo no Instagram que acendeu o debate sobre etarismo. A atriz relatou escutar: "Nossa, Andréa, você tem 58 anos? Mas você está ótima”. Ela reflete sobre o que existe nas entrelinhas do “mas” e completa: “Por que tenho 58 anos, eu deveria estar péssima?”. Não é um fato isolado, é recorrente. O pretenso elogio carrega um preconceito estrutural gigantesco, que ninguém escapa ao envelhecer, porém, com fardo mais pesado para as mulheres.

Única cantora a emplacar 50 músicas em primeiro lugar na lista da Billboard, Madonna é um fenômeno. O sucesso não a blinda do “tribunal inquisidor” da internet, pelo contrário, coloca mais em evidência. A artista completou 64 anos, em 16 de agosto, com fôlego, vigor e muito produtiva. Em recente entrevista ao programa "The Night Show", desabafou sobre etarismo. A diva afirmou ser “punida por envelhecer”, que as pessoas a “acusam de não aceitar a idade que tem” e “se vestir como adolescente”.

Dar nome é fundamental

É importante nomear para que as pessoas possam identificar-se, reconhecer-se dentro de questões coletivas e rever comportamentos nocivos. O termo etarismo foi criado em 1969, pelo psiquiatra Robert Butler. Consiste no preconceito (como sentimos), discriminação (como agimos) ou estereótipo (como pensamos) com relação a pessoas ou grupos, em virtude da idade avançada ou faixa etária. Pode assumir diversas formas cotidianas, no âmbito individual, político ou institucional.

As organizações são etaristas e não possuem iniciativas que combatam a discriminação nos seus processos seletivos. É o que aponta o estudo realizado pela consultoria EY e a plataforma Maturi, no mercado nacional. É uma inadequação à realidade, já que o Brasil avança rapidamente para inversão na pirâmide etária, em breve os jovens deixarão de ser maioria. A projeção da Fundação Getúlio Vargas é que em 2040, 57% da força de trabalho terá mais de 45 anos. As empresas precisam reformular suas políticas e investir na experiência de profissionais acima dos 50 anos.

Velho preconceito

Envelhecer faz parte do ciclo natural da vida e é um privilégio, principalmente com a longevidade ativa. Negar o envelhecimento é uma forma de cegueira coletiva. Com o aumento da expectativa de vida, o etarismo é a única forma de preconceito que todos vão experimentar, desde que atravessem a juventude.

No livro “Etarismo: um novo nome para um velho preconceito”, Fran Winandy discorre sobre o medo que as pessoas têm de envelhecer e se tornarem descartáveis. De ficarem à margem da sociedade, com obstáculos afetivos e profissionais, principalmente na procura por emprego ou na concorrência por uma promoção.

“É um preconceito antigo que está em todo lugar, mas não prestamos muita atenção, até que nos atinja. Até pouco tempo, ele não tinha um nome conhecido, e sabemos que a primeira coisa para combater um preconceito é saber nomeá-lo”, destaca Fran.

Eterna juventude é uma quimera

O etarismo está entrelaçado no tecido social: no streaming, na propaganda, na televisão, na saúde ou nas redes. Impacta a vida dos homens, mas as mulheres são as principais vítimas, marcadas ao longo da existência, e em determinado momento, são consideradas velhas demais para casar, parir ou exercer certas atividades. Quando chega a menopausa, começam a se tornarem invisíveis.

A juventude é incensada como símbolo de status, beleza e produtividade. Uma pesquisa realizada pela ONU, em 57 países, com mais de 80 mil pessoas, constatou que 60% dos entrevistados se preocupam com o envelhecimento. É um tabu associado a dois medos: a decrepitude na aparência e a proximidade da finitude. Lutar contra os efeitos do tempo é uma quimera que traz graves consequências. O estigma da idade provoca o sentimento de desajuste, inutilidade e acentua o isolamento, com impactos psicológicos e físicos.

Viver sem tempos mortos

A falta de reflexão faz não se preparar para o amanhã. A busca pelo melhor seguro de vida e o investimento na previdência privada, por exemplo, são importantes em qualquer fase. Garantem suporte em situações inesperadas e a possibilidade de usufruir da maturidade com plenitude e segurança financeira.

A idade não define a existência. Gilberto Gil, com 80 anos, regressou de uma turnê pela Europa. Fernanda Montenegro, aos 92, voltou aos palcos com uma peça sobre Nelson Rodrigues. Envelhecer com saúde, sonhos e vitalidade é possível. Sempre é tempo para novos começos. Encontrar o equilíbrio entre o movimento e a pausa faz parte da engrenagem da vida. Como define a escritora Simone de Beauvoir, “não desejei e nem desejo mais do que viver sem tempos mortos”.

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