Pesquisa aponta que 68% dos pais brasileiros não tiraram a licença paternidade mínima de cinco dias prevista por lei.
Especialistas da Filhos no Currículo apontam o
que motiva os medos em pausar o trabalho para acompanhar os primeiros dias dos
filhos, e qual o papel da liderança nessa mudança de mentalidade.
A segunda edição do relatório “Situação
da Paternidade no Brasil” realizado pelo Instituto Promundo em 2019, aponta que
82% dos pais brasileiros concordam que fariam tudo o que fosse necessário para
estarem muito envolvidos com o cuidado do filho recém-nascido ou adotado nas primeiras
semanas. Em paralelo, a realidade surpreende, mostrando que 68% dos pais não tiraram sequer a
licença paternidade de cinco dias prevista por lei após o
nascimento ou adoção.
Somado a isso, dados da Receita Federal
de 2019, coletados e divulgados em 2021 no estudo “Licença paternidade
estendida” (também do Promundo), apontam que apenas 13% das empresas brasileiras aderiram ao Programa
Empresa Cidadã (Lei nº 11.770/2008), que permite prorrogar por
até sessenta dias a duração da licença-maternidade (podendo totalizar seis
meses) e por quinze dias (totalizando vinte dias) a duração da licença
paternidade. O estudo também aponta uma resistência dos homens em usufruir da
licença, mesmo daqueles colaboradores das empresas que aderiram ao
benefício.
O que eles temem?
Michelle Terni, CEO da Filhos no Currículo,
consultoria parceira da parentalidade dentro das organizações, e que acompanha
de perto o dilema das empresas na construção de políticas de viabilidade para
as novas medidas parentais, aponta alguns dos principais motivos para a baixa
adesão masculina à licença paternidade estendida. Entre eles, o desconhecimento
sobre os ganhos do vínculo, o que significa que para muitos homens ainda não
está clara a importância de seu papel ativo nos cuidados com a criança. “Muitos não estão habituados em ocupar um
papel de protagonismo nesse cuidado, e sim de coadjuvante", salienta.
Essa percepção é evidenciada em estudos,
entre os quais o "Atitudes
globais em relação à igualdade de gênero", desenvolvido pela
Ipsos e pelo King’s College, Londres, que aponta que um quarto da população
brasileira acredita que homens que ficam em casa para cuidar dos filhos são
“menos homens”.
Além disso, para a especialista
parental, grande parcela dos pais não enxerga a licença estendida como um
direito, mas sim como um benefício opcional a qual eles podem ou não adquirir.
Outro ponto é a preocupação com a carreira, sobretudo em cargos gerenciais, e o
medo de parecer irresponsável por se afastar por um longo período, de sofrer
retaliação no trabalho, de perder o emprego ou ser substituído no cargo.
“Em
nossa sociedade a ausência paterna é naturalizada. Muitos têm medo de
provocações sexistas, ainda no ambiente de trabalho. O que vemos são homens em
conflito quando assumem o papel de cuidadores, por sentirem que estão exercendo
uma função não natural”, destaca Michelle, que abre debates dentro
das empresas por meio de trilhas de conteúdo e painéis que incluem temas como
‘Como perceber a paternidade como gatilho de desenvolvimento’ e ‘Por que cuidar
dos filhos é assunto de todas as pessoas’.
Papel das Lideranças
De acordo com a porta-voz da Filhos no
Currículo, a viabilidade da licença paternidade dependerá principalmente da
visão das empresas em formar uma liderança engajada. A consultoria se prepara
para lançar no mês dos pais um guia informativo nomeado “Liderança
pró-paternidade”, a fim de incentivar as lideranças a criarem um ambiente de
colaboração e respeito para figuras parentais masculinas da organização a
exercerem a paternidade responsável e presente.
Como exemplo, Michelle aponta a
necessidade de criar uma rede de apoio no ambiente de trabalho, onde colegas e
pares sejam convidados a compartilhar suas experiências de como conciliar
filhos e carreira, o que pode ser feito em reuniões específicas sobre o
assunto. E ainda, possibilitar que o colaborador seja participativo na vida de
seu filho, permitindo horários de trabalho flexíveis de modo que ele possa
estar mais presente em marcos importantes, reuniões de pais ou mesmo em consultas,
exames e vacinas. A implementação do trabalho híbrido, principalmente no
retorno da licença, (Lei MP 1108/22 garante a prioridade de trabalho remoto aos
pais de crianças até quatro anos) também é uma medida fundamental citada pela
especialista.
Em se tratando de comportamento
especificamente, outro exemplo é eliminar piadas e comentários distorcidos
sobre o tema como ‘Licença
estendida? Também quero tirar férias!’ ou ‘Vai ficar de babá hoje?’. “Isso nos
afasta cada vez mais de uma sociedade equilibrada nos papeis parentais.
Frases como essas nunca devem
sair da boca de uma liderança, e devem ser repreendidos dentro da equipe quando
observadas”, frisa.
Quem implementou
A Diageo, fabricante de bebidas
destiladas do mundo, foi uma das pioneiras na implementação de uma política de
licença familiar que permite qualquer funcionário da empresa que se torne pai
ou mãe a se ausentar por até seis meses, a serem gozados da forma contínua ou
fragmentada dentro do primeiro ano da criança. Após três anos de
implementação foi registrada uma aderência de 95% à nova política, sendo que
desses, 78% tiraram a licença completa de seis meses. Houve também uma redução
de 50% na taxa de turnover (taxa de rotatividade) de mulheres no ano seguinte à
licença maternidade. A empresa também viu um aumento de 12% no índice que
mensura a satisfação com diversidade e inclusão dentro da pesquisa de
engajamento.
Vinicius Bretz, gerente de Diversidade e
Inclusão na Companhia, acompanhou a implementação do programa. Ele conta que o
processo passou por conversas entre pais, líderes e RH e que o diretor da
empresa foi o primeiro a tirar a licença completa e acabou inspirando outros
pais. “Até então, poucos
conseguiam prever os
benefícios que seriam colhidos no futuro. As preocupações dos homens eram as
mesmas que as mulheres sempre tiveram perto de suas licenças. Mas como a
empresa estava focada na mudança dessa mentalidade, isso permitiu que as
angústias aparecessem nos momentos de conversa com a liderança e com o RH e
fossem trabalhadas a ponto de finalmente o colaborador arriscar tomar decisão.
A partir daí foi uma bola de neve positiva, um ciclo virtuoso”,
relata.
Vinícius acrescenta que foi preciso
criar um novo ecossistema de benefícios e incentivos para que a política se
mantivesse sustentável. A empresa utiliza o sistema de vaga temporária – uma
espécie de intercâmbio de talentos, na qual a vaga de uma pessoa que está para
sair de licença familiar fica aberta para ser ocupada por quem tem interesse de
ir para aquela área, tendo uma experiência diferenciada, e muitas vezes com
incrementos salariais que fomentam esse incentivo.
Foi o que aconteceu com Hector Aguiar,
34 anos, hoje gerente comercial regional na empresa. “Em 2020, fiquei seis meses cobrindo a
licença paternidade do gerente regional da minha área. Quando eu e minha
parceira engravidamos em 2021 e eu já estava perto de sair para a minha licença
paternidade, esse gerente foi promovido. Como eu já tinha o substituído, me
chamaram para o processo seletivo para concorrer a sua vaga. Consegui a
promoção antes mesmo de iniciar minha licença”, conta o gerente que
diz não ter sido intimidado em nenhum momento do processo de seleção pelo fato
de estar prestes a ficar ausente por seis meses. “Quando voltei, assumi a nova posição sem nenhum tipo de
problema”, completa.
Sobre a Filhos no Currículo: Parceira da parentalidade nas organizações, que atua para a criação de ambientes de trabalho pró-família. A consultoria de impacto realiza diagnósticos da jornada parental e revisam as políticas parentais existentes nas empresas, promovendo também a sensibilização e capacitação por meio de palestras, workshops e trilhas de conteúdo. Dialogam com pais, mães, lideranças, gestores de RH e Diversidade, e já realizaram ações em empresas como Pepsico, B3, Roche, Ambev, PWC, Gerdau, MM360, Ambev e Grupo Raia Drogasil.
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