Por que a redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL para serviços médicos é alvo de tanta polêmica?
Estão de fora da tributação especial, de 8% e
12%, as clínicas de consultas médicas que têm que pagar um percentual de 32%
sobre a receita bruta
As clínicas de
anestesia não são consideradas como serviço hospitalar e, portanto, não têm
direito ao benefício fiscal. Este foi o entendimento da Primeira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao manter a deliberação do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), negou recentemente a um estabelecimento
de anestesiologia o direito à redução das bases de cálculo do Imposto de Renda
Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Na prática, a empresa,
constituída sob a forma de “empresária limitada”, vinha recolhendo o IRPJ e a
CSLL no percentual de 32%, tendo como regime de apuração o Lucro Presumido,
dois fatos que são exigíveis para se obter o benefício. Em seu objeto social, o
estabelecimento está cadastrado como “Clínica Médica e Consultas”, “Plantão
Médico em Pronto-Socorro” e “Serviços em Saúde e Medicina Ocupacional do
Trabalho”, o que também o enquadra como detentor do direito. Mas, mesmo assim,
o juiz Francisco Donizete Gomes, do TJRN, negou a vantagem tributária. Por quê?
Segundo o magistrado,
tal empreendimento não está enquadrado na Lei nº 9.249/1995 (que trata da
equiparação de clínicas médicas a hospitais) e, portanto, não presta serviço
hospitalar. Mesmo a empresa fornecendo mão de obra de anestesistas, seu
processo não foi deferido porque ela não comprovou a regularidade sanitária. Quem
explica melhor é o advogado tributarista parceiro da Mitfokus Soluções
Financeiras, Lucas Augusto Les de Souza: “A Lei estabelece que, para fazer jus
ao benefício fiscal, é necessário atender às normas da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa); estar constituída como sociedade empresária, que
é a união de duas ou mais pessoas com um interesse em comum para exercer uma
atividade econômica específica; estar com o registro incluso no Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes); se enquadrar no Lucro Presumido;
e, por fim, atender aos requisitos de serviços hospitalares”.
Lucas Augusto Les de Souza
E é neste último item,
segundo o especialista, que mora o perigo. “Em 2009, ficou definido que o
conceito de serviços hospitalares tinha que ser amplo e só observar a natureza
do serviço prestado, que é de promoção à saúde. Na época, não era preciso olhar
para a estrutura do contribuinte. Então, a maioria dos médicos poderia utilizar
o benefício. Só que, em 2017, a Instrução Normativa nº 1.700, da Receita
Federal, colocou algumas premissas além do que a lei pede. Uma delas é não prestar
o serviço em ambiente de terceiros e ter os alvarás de funcionamento”.
Ao STJ, a clínica de
anestesiologia esclareceu que sua estrutura hospitalar acatava as diretrizes da
agência reguladora e baseou seu pedido na Lei nº 9.249, de 1995 (artigo 20), a
qual especifica que as atividades abrangidas pela tributação diferenciada são:
serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica,
imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises,
bem como patologias clínicas.
Em razão dessa
interpretação, de 1995, inclusive, não foram poucos os contribuintes
surpreendidos, ao longo dos últimos anos, com autuações aspirando a cobrança
das diferenças de IRPJ e CSLL que deixaram de ser recolhidas. Por conseguinte,
no fim do ano passado, compreendendo que deve prevalecer a essência sobre a
forma, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) reconheceu que “a
formalização da pessoa jurídica como sociedade simples não afasta, por si só, a
sua natureza de sociedade empresária”, sendo necessário analisar os aspectos
jurídicos da organização, a fim de constatar se os serviços ali prestados pelo
contribuinte possuem natureza eminentemente hospitalar, de forma a fazer jus à
redução dos impostos.
Segundo o tributarista,
mesmo com essa interpretação do CARF, o tema continua polêmico, visto que as
clínicas e laboratórios médicos podem pagar, no IRPJ e na CSLL, as alíquotas
reduzidas de 8% e 12%, respectivamente, chegando a garantir uma redução de 69%
do imposto efetivo. “Então, trata-se de uma vantagem que todo mundo quer
usufruir, lógico, mas não são todos da área de saúde que têm direito. Ocorre
que, primeiro, a clínica entra com a solicitação de atenuação de impostos, para
depois saber se tem ou não direito”, comenta o especialista, ressaltando que a
atenuação fiscal encontra pretexto no próprio intuito social que as sociedades
dessa natureza possuem, afinal, trata-se de um proveito para reduzir as
despesas operacionais desses estabelecimentos que já têm um alto custo de operação,
atualização e manutenção de equipamentos, além dos proventos de profissionais
especializados, como cirurgiões, por exemplo.
Por fim, ele explica que tem direito à redução da presunção de 32% os mais variados ramos da Medicina e todos os serviços de profissionais que atuam em cerca de 50 especialidades médicas e da área de saúde, conforme indica a Resolução nº 2.162/2017, do Conselho Federal de Medicina, inclusive fisioterapia, clínicas de estética e de cirurgiões dentistas. Estão fora dessa tributação diferenciada de 8% e 12% as consultas médicas, que são taxadas sobre uma base de 32% da receita bruta. “O ideal, para saber se a empresa cumpre com as exigências para obter o benefício fiscal, é contar com o apoio de uma consultoria especializada, como a Mitfokus, por exemplo. Se ela não cumpre, é preciso ver quais normativas têm que ser atendidas. Nada de ir até lá, postular o benefício e não ter o direito, como no caso da clínica de anestesiologia, correndo o risco de perder dinheiro e tempo no processo”, finaliza Lucas Souza.
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