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As tais das crenças limitantes

Marco Antonio Spinelli*

 

Para quem não me conhece, sou Psiquiatra e Psicoterapeuta. Para muita gente, isso parece ser a mesma coisa, mas não é. Para ser Psiquiatra, é preciso cursar uma Faculdade de Medicina e, após sua conclusão, fazer mais alguns anos de Residência e Especialização. Para ser Psicoterapeuta, lá se vão alguns anos de formação. É uma boa parte da vida estudando para isso. Não me fecho a opiniões e insights de pessoas que não passaram tanto tempo queimando as retinas na frente dos livros, mas confesso que às vezes eu fico um pouco impaciente com os psicologuês de Facebook. Particularmente com um que anda muito em voga, que é a luta contra as “Crenças Limitantes”.

Crenças limitantes, segundo a galera de coachs e gurus motivacionais, são aquelas crenças repetidas em nossa cabeça que nos impedem de ter uma vida maravilhosa. Vou dar um exemplo contando uma história: li um livro sobre o silêncio no budismo, e o autor, um desses monges carequinhas e muito simpáticos, contou a história de outro monge que era dirigente de um Mosteiro. Acontece que o Mosteiro um belo dia pegou fogo e se consumiu todo no incêndio. O abade organizou os recursos da comunidade e de benfeitores para a sua reconstrução, mas, no meio da empreitada, começou a ser perseguido por pensamentos pessimistas. O principal pensamento (ou falsa crença) era que ele não tinha sorte. Desde a infância, tudo de errado acontecia com ele. O Mosteiro tinha se incendiado e queimado porque ele não tinha sorte. Apesar dos apelos das pessoas próximas, o monge foi minguando em uma profunda tristeza, até ter que ser substituído em suas funções. Morreu algum tempo depois. Li essa história com a caneta e o carimbo pulando no meu bolso: evidentemente que o abade teve uma Depressão e que a falta de tratamento fez com que a mesma se aprofundasse. E tudo começou com um pensamento, que se espalhou como um vírus pelas suas células. Essa crença limitante literalmente tomou a vida do homem até roubar sua energia.

Isso quer dizer que esse tipo de crença limitante pode tomar a mente de uma pessoa como uma Assombração? Claro que sim. O que me causa então a implicância com os gurus gritando que vão tirar de todos suas crenças limitantes? Por vários motivos. Antes de mais nada, as Crenças não são crenças. São engramas. O que? Calma, eu explico.

Engramas são pedaços de Memórias, Cenas, Traumas e Imagens que são gravadas em nossas Redes Neurais sem que a gente perceba. Buscá-los demanda muito trabalho interno. Ouvir um guru motivacional berrando não remove os engramas. E eles mandam mais em nossa vida do que gostaríamos. O tal do monge, por exemplo. Vamos imaginar que ele fosse de uma família grande, onde os irmãos eram mais brilhantes e ele era mau aluno. Ou que as melhores coisas aconteciam sempre com os outros, nunca com ele. Digamos que ele foi virar monge porque a família não tinha como alimentar a todos, mas ele se dedicou, fez seu trabalho, estudou as Escrituras e depois de muitos anos virou o responsável pelo mosteiro. Quando ocorreu um acidente, ele foi possuído pelo pensamento que estava lá como um engrama, um tumor pronto a se espalhar. Se, alguns anos antes tivessem perguntado se ele tinha a crença de ser azarado ou sua vida nunca ia dar certo, claro que negaria. A falsa crença apareceu num contexto de estresse e perda. E o que é pior, a falsa crença não está na superfície da nossa Consciência.

O que devemos fazer então? Parar de ouvir os gurus de internet combatendo as falsas crenças? Claro que não. Mas saiba que buscar e ressignificar as Crenças Limitantes leva muito tempo e dedicação. Entender como começaram, como cresceram e que estrago fizeram e fazem em nossa vida é trabalho de elaboração e reprocessamento. É melhor sempre desconfiar de quem oferece soluções rápidas e aparentemente milagrosas. A Natureza não dá saltos. 

 

 

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

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