Mais compromissos, menos mentiras
Samuel Hanan*
Samuel Hanan*
Em fevereiro de 2013, o
The New York Times, um dos jornais mais influentes do mundo, publicou uma
reportagem mostrando como o Brasil criou uma casta do funcionalismo público,
possibilitando que muitos enriqueçam às custas do Estado.
“Sindicatos poderosos
de certas classes de funcionários públicos, fortes proteções legais para os
servidores do governo, um setor público inchado que tem criado muitos novos
empregos bem-remunerados, e generosos benefícios, tudo isso torna o setor
público brasileiro um cobiçado baluarte de privilégio”, dizia a reportagem.
Enumerando uma série de
exemplos, o jornal acrescentava que “enquanto os servidores públicos na Europa
e nos Estados Unidos estão tendo os salários reduzidos ou sendo demitidos,
alguns funcionários públicos no Brasil estão recebendo salários e benefícios
que deixam seus pares nos países desenvolvidos bem atrás”.
O NYT analisava, ainda,
que em contraste com “bolsões de excelência” no funcionalismo, “serviços como
educação e tratamento de esgoto permanecem lastimáveis”, enquanto o governo
brasileiro “financia confortavelmente a si próprio”, conforme reproduziu a
Revista Exame, que repercutiu a matéria.
É desolador constatar
que, passados quase 10 anos, nada foi feito para reverter essa situação. Pelo
contrário: continuamos a ver novas iniciativas de ampliação dos privilégios. Um
exemplo é a Emenda Constitucional nº 122, de 17 de maio de 2022, que aumentou
de 65 para 70 anos a idade máxima para indicações e ingresso nos Tribunais
Superiores (STF, STJ e TRFs). Como a legislação prevê a aposentadoria
compulsória no serviço público aos 75 anos de idade, significa que alguns
poderão se aposentar com vantajosa remuneração, trabalhando apenas cinco anos
nos tribunais, enquanto o restante dos mortais brasileiros, vinculados à CLT,
se aposenta após 35 ou 40 anos de trabalho com o teto de R$ 7.087,22, fixado
pelo INSS.
Alguém de bem já
aconselhou que quem quiser ficar rico que passe longe da vida pública. No
Brasil de hoje, entretanto, pratica-se o oposto. Muitos ingressam na vida
pública buscando o enriquecimento fácil. Em pouco tempo, passam a ostentar
padrão de
vida incompatível com a
remuneração dos cargos que ocupam, mas permanecem incólumes apesar dos
evidentes sinais exteriores de riqueza.
Este é um país em que
todos são iguais perante a Lei somente na letra fria da Constituição,
despudoramente desrespeitada. Outro exemplo é o instituto do foro privilegiado,
estendido a mais de 55.000 ocupantes de cargos públicos, excrecência nacional
porque sua abrangência não encontra similaridade em nenhum outro país do mundo.
Só o Brasil tem mais de 55.000 “monarcas”, todos beneficiados por um instituto
legal que funciona como fábrica de corrupção e de impunidade.
O Brasil está doente faz
tempo e, no entanto, a maioria de nossa classe política prefere ignorar essa
realidade. Não é possível que o País continue comprometendo 83,54% da
arrecadação tributária dos três entres federativos (União, Estados e
Municípios) com os gastos referentes a servidores (34,24%), déficits
previdenciários (15,20%, incluindo INSS e servidores públicos) e serviços da
dívida pública (34,10%). Tudo isso junto representa 27,57% do Produto Interno
Bruto (PIB) nacional, e apesar disso não se remunera condignamente os
profissionais da educação, da saúde e da segurança pública.
Para piorar, candidatos
à Presidência da República anunciaram que pretender alterar a lei do teto de
gastos – já descumprida -, acabando com o controle sobre essas despesas. Até
quando vamos continuar ignorando que as origens dos problemas do Brasil não são
econômicas, mas sim de natureza ética, moral e comportamental, com total
ausência de compromisso com a verdade?
As autênticas raízes de
nossas mazelas não são discutidas e, agora, no período eleitoral, desperdiça-se
rica oportunidade para a abordagem séria e profunda da questão. Como sempre,
repetem-se as mesmas condutas. Os exemplos são muitos, como o aumento do
Auxílio Brasil (necessário, mas não suficiente) e a implantação do Vale-Gás, do
Vale-Taxista e do Vale-Caminhoneiro. Vale tudo pelo voto em outubro.
É preciso substituir o
discurso assistencialista pelo compromisso com a adoção de medidas efetivas
visando à correção das injustiças e desigualdades que se perpetuam no País. A
começar pela correção da
tabela do Imposto de
Renda da Pessoa Física, cuja defasagem gera aumento da já pesada carga
tributária sobre os assalariados e aposentados.
De acordo com o
Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), quem recebe
hoje remuneração mensal de R$ 5.000,00 paga por mês R$ 505,64 de Imposto de
Renda. A eliminação da defasagem reduziria o valor do IR para apenas R$ 24,73
mensais. Eis um tema que merece estar na pauta de qualquer postulante à
Presidência.
Além disso, o País está
cansado de assistir à aprovação de emendas constitucionais voltadas
essencialmente para ampliar gastanças irresponsáveis e benefícios aos
privilegiados. Mais importante e urgente seria mudar a Constituição para tornar
inelegível o governante que gerar déficit primário ou conceder renúncia fiscal
setorial sem lei autorizativa. Isso porque o Brasil hoje abre mão de 4% do PIB
– o equivalente a 12,12% do total dos tributos arrecadados – por meio de
renúncias fiscais altamente questionáveis porque são concedidas sem prazo
definido e sem transparência, em nada contribuindo verdadeiramente para reduzir
as desigualdades regionais, seu escopo original.
Se o Brasil quer se
tornar uma nação mais justa, precisa rever os institutos do foro privilegiado e
da reeleição para cargos executivos, e a proibição da prisão mesmo após
condenação em decisão colegiada em segunda instância, instrumentos de corrupção
e impunidade, autênticos entraves ao desenvolvimento necessário para melhorar a
vida do cidadão brasileiro.
Somos um povo cansado
de falsas promessas e ações inócuas ou motivadas por interesses nada
republicanos. O País poderia ser bem diferente se os debates eleitorais na
televisão tivessem os candidatos submetidos ao teste do polígrafo. Como se
sabe, esse aparelho emite um sinal sonoro a cada mentira detectada. Dessa
forma, a cada debate certamente teríamos um apitaço muito mais barulhento que
os panelaços das varandas e janelas. Seria revelador e ajudaria muito o eleitor
na definição de seu voto e de nosso futuro.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site:https://samuelhanan.com.br
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