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Médicos de todas as áreas devem ficar atentos aos sintomas, que podem ser confundidos com outras doenças

Foto por: Irlaine Firmo/FCMSCSP - Da esquerda à direita, a professora Dra. Giselle Burlamaqui Klautau, a professora Dra. Maria Amélia de Sousa Mascena Veras e o professor Dr. Marco Aurélio Palazzi Sáfadi

A Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) reuniu especialistas médicos no Seminário “Monkeypox: uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional”. Na oportunidade, os professores Dra. Maria Amélia de Sousa Mascena Veras, do Departamento da Saúde Coletiva; Dra. Giselle Burlamaqui Klautau, do Departamento de Clínica Médica; e o professor Dr. Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, do Departamento de Pediatria e Puericultura, apresentaram aspectos sobre a epidemiologia e histórico do vírus, as manifestações clínicas e diagnóstico da doença e as possibilidades de prevenção e tratamento.

 

De acordo com o reitor da Faculdade, o professor Dr. José Eduardo Lutaif Dolci, o objetivo do evento, que foi realizado no dia 05 de setembro, foi de esclarecer e divulgar, com base em evidências científicas, os principais aspectos sobre a monkeypox, doença que já tem mais de cinco mil casos confirmados no Brasil.

 

Manifestações clínicas e diagnóstico

Segundo a professora Dra. Giselle Klautau, dentre as manifestações clínicas, foi percebido um período de incubação de duas a três semanas e, após isso, há uma melhora ou complicações do caso. A maioria dos pacientes que costumam piorar são aqueles já classificados como fatores de risco, e estas complicações podem ser resultado de uma reinfecção. Além destes fatores, a maioria dos contaminados não tomaram a vacina da varíola.

Giselle orienta vigilância nas diversas manifestações clínicas. “Temos alguns casos na prática clínica que a primeira aparição das lesões são nos genitais. A observação deste surto, que muitas vezes são lesões únicas, tem a predisposição para a ocorrência de erupções sem a fase inicial. Já em alguns casos, os pacientes não contam com os pródomos (primeira fase da doença), já abrem com lesões cutâneas. Temos de estar alertas”, reforça. Além disso, a aparência das lesões também pode ser diferente de caso para caso: algumas são similares à varíola, enquanto outras são parecidas com doenças como dermatite, sífilis e mononucleose.

Quando diagnosticado com a doença, o paciente deve ficar em isolamento por 21 dias, assim, é importante ressaltar que ele deve estar em contato direto com alguma Unidade Básica de Saúde (UBS) mesmo após os sete dias de internação. Outro aspecto importante que foi ressaltado por Giselle foi a dor que os pacientes sentem nas áreas lesionadas, necessitando, nos casos mais graves, de uso de medicamento para alívio dessa dor.

Giselle também demonstra sua preocupação com a demora em investigar e divulgar dados sobre a doença. “Tem uma palavra que me vem à mente que é aporofobia. A história nos mostra que esta fobia pelo pobre traduziu a dificuldade científica para enxergarmos os casos que estavam acontecendo”, diz. “E, assim como outras doenças, só quando a Monkeypox veio para o mundo e acometeu outras populações é que passou a ter atenção. Enquanto estava na África, em populações extremamente pobres, a doença foi pouco vista ou valorizada. Creio que precisamos refletir sobre estas questões em todos os momentos”, enfatiza Giselle.

Tratamento e prevenção
O professor Dr. Marco Aurélio, que é pediatra, alerta sobre os casos da monkeypox em grávidas. De acordo com estudo realizado com quatro mulheres contaminadas, duas tiveram abortos instantâneos e uma teve um natimorto com lesões cutâneas no corpo. Na pesquisa, foi analisada a carga viral nos fetos, que comprovou a relação de concentração do vírus com os óbitos. Assim, Sáfadi alerta que as mães doentes só podem amamentar após estarem curadas, e que o parto destas grávidas seja feito por cirurgia para evitar contaminar o recém-nascido.

Apesar do estudo trazer diversas dúvidas ainda sem respostas, o resultado reforça em que lugares é possível encontrar o vírus, e, consequentemente, quais poderiam ser as formas de transmissão para além das já conhecidas, e quais formas de tratamento poderiam ser utilizadas.

Apesar da gravidade da doença, a taxa média de letalidade no mundo é baixa, com cerca de 0,03%, principalmente em comparação com o vírus que circulou no Congo (10%) e na África Ocidental (1%). “Parece-me muito improvável justificar tão diferente impacto apenas pelas condições socioeconômicas e de qualidade de vida dos países”, diz. “É possível que haja alguma peculiaridade, como mutações, que talvez justifique a taxa de letalidade, o modo de transmissão e as manifestações clínicas”, pontua Sáfadi.

O professor demonstra preocupação com pacientes com doenças dermatológicas, em especial as crianças. “Existem, também, manifestações clínicas de ceratite ocular (inflamação da córnea). Tudo bem você orientar um adulto, uma vez que esteja com lesões, a não levar as mãos aos olhos e coçar, mas imagine orientar uma criança a não coçar o olho depois que mexer na ferida. Temo que haja um risco grande de ceratite e complicações oculares nessas crianças”, enfatiza.

Histórico da doença e o papel da comunidade médica
De acordo com a professora Dra. Maria Amélia, deve ser papel da comunidade médica e acadêmica desmistificar a monkeypox, equivocadamente chamada de varíola dos macacos. Segundo ela, a primeira aparição do vírus foi em 1958, quando uma amostra foi isolada em cobaias primatas em um laboratório dinamarquês, mas foi somente em 1970, na República Democrática do Congo, que foi registrado o primeiro caso da doença em humanos. A partir do histórico, foi ressaltado que os primatas não são os transmissores da doença e, a fim de protegê-los das consequências sociais de uma epidemia, torna-se necessário tratar a doença de forma correta, pelo nome monkeypox.

Segundo Maria Amélia, depois do primeiro caso, ocorreram surtos esporádicos da doença em países africanos. Em 2003, foi registrado o primeiro caso fora da África, associado à importação e venda de roedores contaminados. O surto ocorreu nos Estados Unidos, com 87 casos leves, todos contaminados pelos animais. “Em maio de 2003, o mundo foi surpreendido com a notificação de casos da monkeypox no Reino Unido, região inicialmente considerada como não-endêmica”, diz. “Atualmente, este termo gera controvérsias, pois há um silêncio de informação do que estava acontecendo nos países africanos”, comenta a professora, ressaltando a importância da divulgação científica e de tratar com seriedade todas as doenças, independente do país de origem.

Apesar de surtos esporádicos, a doença não sumiu, chegando ao quadro atual. Com os registros, foi percebido que o público mais atingido são homens jovens (18 a 44 anos) e, daqueles que é sabido a orientação sexual, a maioria (95%) são homens que tem relações sexuais com outros homens.

A professora também aponta que o quadro atual de transmissibilidade é baixo (contaminação de duas a duas pessoas) e se encerra até o momento da cicatrização das lesões de pele, após a terceira semana de contágio. Porém, os estudos sobre a doença ainda são embrionários, visto que ainda não se sabe se há casos assintomáticos e como seria a transmissão destes casos. Por fim, Maria Amélia reforça a importância de tirar o estigma do modo de transmissão da doença, não repetindo o mesmo tratamento que a população teve com a febre amarela (eliminando os símios) e nem com a Aids/HIV (marginalizando pessoas com relacionamentos homoafetivos).

Vacina, que é eficaz, não está em distribuição no Brasil
Dentre as principais recomendações, está a de priorizar o tratamento para o monkeypox em pacientes imunossuprimidos, gestantes, crianças e pessoas portadoras de HIV, visto que todos se enquadram nos fatores de risco da doença. O motivo do risco é justificado pelo modo de contágio da doença, que é feito, segundo a professora Maria Amélia, pelo contato com a pele. “O estudo epidemiológico indica, até então, que o modo de transmissão predominante é por relação sexual e não o contato por roupas e outros tecidos. Mesmo com baixo índice, a transmissão por gotículas e respiratória pode ocorrer, mas não igual ao Covid-19, que se dá por aerossóis”, explica.

Outra recomendação terapêutica que se faz necessária é a de sugerir a intervenção hospitalar no primeiro sinal dos sintomas mais graves, como, por exemplo, excesso de lesões, desidratação, confusão mental, impacto visual e o surgimento de dores. Além disso, não há, segundo o professor, medicamentos específicos para o tratamento da monkeypox, mas apesar da necessidade de se aprofundar nos estudos, remédios utilizados no tratamento da varíola humana estão funcionando. Dos existentes, o mais recomendado é o Tecovirimat, antiviral utilizado para barrar a replicação viral e que, portanto, deve ser utilizado na primeira fase da doença.

Além do uso de medicamentos, as vacinas da varíola são comprovadamente eficazes. “Em um estudo, foi comparado o risco de contágio em vários grupos etários de contatos não vacinados e de vacinados. Obviamente, os vacinados eram mais velhos por terem sido expostos ao contato da vacina da varíola humana — distribuída pela última vez em 1972, quando a doença foi erradicada”, diz. “O estudo concluiu que o risco de vacinados foi de 1%, enquanto em não vacinados foi sete vezes superior. Isso gerou uma estimativa de que a vacina de varíola humana que o indivíduo recebeu no passado provavelmente teria uma proteção de algo em torno de 80%”, explica Sáfadi.

Apesar da existência da vacina, o imunizante ainda não está em distribuição no Brasil. As orientações para a aplicação são: priorizar os grupos de risco e recém-contaminados, e aplicar duas doses, exceto para aqueles que já tomaram a vacina da varíola anteriormente, neste caso o indicado é tomar somente uma dose.

Sintomas
Com sintomas similares à varíola, erradicada graças à vacinação em massa em 1977, a monkeypox, após três meses da notificação no Reino Unido, registrou cerca de 15 mil casos em mais de 70 países. Atualmente, são mais de 50 mil casos, sendo 770 casos por dia no mundo e 140 no Brasil, levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a tratá-la como emergência pública desde julho de 2022.

Dentre os sintomas iniciais estão: febre baixa, dor de cabeça, linfadenopatia (condição em que os nódulos linfáticos ficam com tamanho, consistência ou número anormais, geralmente inchaço) e fadiga. Após esta primeira fase, surgem as lesões pela face e seguindo para o corpo, em especial nas mãos, pés, genitais e perianais, podendo proliferar e necrosar dependendo da gravidade e do perfil do paciente.

Em casos de comprometimento, também é possível haver pneumonia, vômito, diarreia, levando a desidratação, encefalite — inflamação que ocorre no cérebro quando um vírus ou bactéria consegue atacá-lo diretamente, convulsões, lesão de córnea com comprometimento da visão, e, em casos mais graves, a morte.

 

Assista o Seminário na íntegra: https://youtu.be/UG_9gcpgusE?t=0

(Gravação: Michel Silva e Tiago Pereira. Edição: Michel Silva)

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