Últimas

O álbum de figurinhas da copa do mundo está caro?

Por Luis Fernando Guggenberger

Chegou aquele período que acontece somente de quatro em quatro anos no qual os adultos se transformam novamente em crianças, a época da Copa do Mundo. Logo mais as ruas começam a se preencher com as cores da nossa bandeira, bandeiras penduradas em postes e nas nossas casas, descobrimos talentos e mais talentos artísticos com a reprodução em forma de desenhos dos símbolos do torneio, da seleção canarinho, a referência aos craques do passado e aqueles que esperamos serem os heróis do hexacampeonato, tão desejado há 20 anos.

Fogos de artifício e cornetas passam a fazer parte de nosso cotidiano sonoro. Os canais de televisão, com sua ampla cobertura quase que 24 horas ininterruptas, falando sobre cada placar dos jogos, dos erros e acertos de arbitragem, dos gols mais bonitos e daquele frango que os coitados dos goleiros sofrem. Os bares ainda mais alegres e divertidos, que até então eram preenchidos com a bebida e a música, passam a ter um incremento com os telões de transmissão das partidas e as conversas nas mesas tornam-se exclusivas à cerca do que está ocorrendo no torneio e, acima de tudo, com a nossa seleção.

Somando-se a tudo isso, o torneio já começou para muitos de nós com o tão esperado álbum de figurinhas da Copa do Mundo. A febre toma conta de todos os cantos do país. Passa a ser um ritual de preparação, de vibração positiva para a nossa seleção, afinal, quem é que não cola os cromos dos jogadores da seleção argentina de cabeça para baixo, “secando os hermanos” para que não joguem bem e, de preferência, voltem cedo para casa no final da primeira fase. A entrada e a hora do recreio das crianças ficam com aquele alvoroço, de meninos e meninas loucos para encontrar qualquer amigo que queira trocar e assim completar o mais rápido possível sua primeira seleção e, em seguida, o álbum.

Mas “Houston, we have a problem!”: as figurinhas estão com um preço bem salgado para o momento do povo brasileiro. Pagar R$ 4,00 por envelope contendo 5 cromos de papel autoadesivo, ultrapassando os mais de R$ 500,00 necessários para completarmos o álbum, convenhamos, não é algo muito positivo em virtude da inflação e taxas de desemprego altas. Um pai de família de periferia certamente não investirá dinheiro nesta diversão para si e seus filhos, porque precisará fazer a escolha no fim do mês entre a compra de alimentos, pagar as contas de água, luz, entre tantas outras. Nisso, vimos inúmeras histórias que viralizaram, como a do menino João Gabriel Nery dos Santos, de 8 anos, de Goiânia (GO), que desenhou o próprio álbum da Copa do Mundo por não poder comprar um e, por meio de muita solidariedade, ganhou de presente o livro e as figurinhas.

Infelizmente, este é o lado ruim de uma brincadeira tão sadia e divertida. Me somo ao coro dos pais que tem reclamado do preço das figurinhas e álbum, como os muitos que tenho encontrado pelos cantos por onde ando. Mas não quero ficar aqui nesta reflexão me fixando neste problema. Entendo as leis de mercado e da relação oferta versus demanda, capacidade do fabricante em produzir e entregar o produto e sua “liberdade” para fixar um valor pelo qual acredita ser o justo para cobrir todas as despesas e ainda assim obter lucro.

Mas vamos pensar aqui conjuntamente em outras dimensões desta brincadeira, pois também tenho ouvido muitos pais reclamarem por si só sobre esta febre. Pois bem, o que quero propor aqui é um olhar enquanto educador e pai de dois filhos pré-adolescentes.

Colecionar o álbum de figurinhas da Copa do Mundo pode ser uma grande oportunidade de transmitirmos valores e tenho visto que estamos perdendo esta chance. As crianças, por viverem em um mundo acelerado cada vez mais, onde as coisas precisam acontecer no tempo e velocidade delas, ultrapassam alguns limites como o do consumo inconsequente, pois querem mais e mais que compremos figurinhas para que consigam o mais rápido possível completar o álbum, pois isso lhes confere um status de poder dentro da sala de aula, na rodinha de amigos, por ter sido o primeiro a conseguir tal feito.

Para os adolescentes cada vez mais digitais, com os quais a lei do mínimo esforço impera, se puderem comprar direto na editora o álbum já completo é melhor ainda, porque dá muito trabalho ir a uma banca de jornal. Puxa que pena, pois não sabem que o melhor da brincadeira é você rasgar com todo o cuidado cada pacotinho, ter aquele momento curto de ansiedade por esperar tirar algum dos grandes craques do torneio, como Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo, ou simplesmente a figurinha dourada, neste ano mais, porque a editora lançou cromos especiais que chegam a ser vendidos na internet por até R$ 9.000,00, bem, é melhor pularmos essa parte.

Estes jovens não sabem o quão divertido é ir para a roda de amigos e estranhos na escola, numa praça pública, em um espaço ao lado da banca de jornal ou em áreas nos shoppings centers dedicadas exclusivamente para os encontros de trocas das figurinhas, onde os adultos se tornam crianças, onde praticamente não existe diferença entre faixa etária ou condição social, ao menos teoricamente, e é aqui que também chamo a atenção para um sinal em relação a oportunidade que estamos deixando passar para educarmos melhor nossos filhos, pois o balcão de negociação é pesado. Será que estamos ensinando-os de verdade sobre a arte de negociar? Ou estamos ensinando-os o olho por olho, dente por dente? Ou estamos criando cada vez mais pessoas malandras que querem se dar bem em cima do outro? Existem negociações nessas rodas de 20 figurinhas de jogadores “normais” por um Neymar ou uma brilhante. Será que isso é justo? É correto?

Quantas histórias sobre a nossa infância estamos compartilhando com os nossos filhos neste momento? Quem não se lembra de colecionar na década de 80 as figurinhas que eram compradas e embalavam os tabletes de gomas de mascar? Quem não pôde compartilhar alguma história de sofrimento ou de traquinagem que fez quando criança para viabilizar a compra de suas figurinhas? Eu quando criança adorava conhecer o mundo por meio desta brincadeira, pois passava horas e horas olhando as bandeiras dos países, informações sobre a cidade onde nasceu o jogador, o clube no qual jogava, como isso me ajudou a gostar das aulas de geografia na escola, será que isso também aconteceu contigo?

Enfim, espero ter ajudado a rever coisas alegres de sua infância aqui nesses últimos parágrafos e que bom seria se o seu filho ou filha pudesse compartilhar histórias assim aos filhos deles no futuro. Que tal?

 

* Luís Fernando Guggenberger é executivo de Marketing, Inovação e Sustentabilidade da Vedacit, responsável pela coordenação das iniciativas de Inovação Aberta e Sustentável e pelo Instituto Vedacit. Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Guarulhos e pós-graduado em Comunicação Empresarial pela Faculdade Cásper Líbero. Sua experiência profissional é marcada pela passagem em fundações empresariais como Fundação Telefônica e Instituto Vivo, além de organizações sociais na cidade de São Paulo. Participa do Conselho de Governança do GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, e do Conselho Fiscal do ICE – Instituto de Cidadania Empresarial. Mentor de startups de impacto socioambiental.

Nenhum comentário