Jejum Intermitente
Marco Antonio Spinelli*
Sidarta
Ribeiro diz que temos um Cérebro do Paleolítico vivendo no século 21. Eu diria
que não apenas um Cérebro, mas um metabolismo do Paleolítico afundado em
calorias vazias do século 21.
Nosso corpo
do Paleolítico foi criado para se adaptar a longos períodos de ausência de
comida. Longas caminhadas até se encontrar uma pequena fruta ou água potável.
Gasto mínimo e economia de recursos. Nosso corpo não gosta de exercícios porque
sabe que aquela esteira não vai para lugar nenhum. É gasto de energia sem
motivo. Da mesma forma, nosso corpo é programado para estocar energia sempre
que possível. Excesso de açúcares, farinha, gordura, dão trabalho para ser
metabolizados e são estocados na forma de Triglicerídeos.
Um conceito
importante para se falar de Jejum Intermitente é o de Hormese. Diante de
dificuldades, nosso organismo mobiliza seus recursos: aumenta a sensibilidade à
Insulina, com melhor aproveitamento da energia. Aumento de hormônios do
estresse, quando estão dentro da capacidade de adaptação e obtenção de
alimento, também são benvindos, ao contrário do estresse que se cronifica.
Nosso corpo Paleolítico tinha que usar com extrema eficácia os recursos de
energia, vitaminas e oligoelementos. Esse corpo mobilizava esses recursos para
achar alimento, caçar, colher e alimentar o grupo. Hormese é a dificuldade que
faz nosso organismo gastar energia para adaptação ao meio e aprimoramento de
estratégias para conseguir melhores condições de sobrevivência. Aprender a usar
o fogo e cozinhar os alimentos também ajudou a tirar mais nutrientes dos
alimentos, o que contribuiu para o crescimento diferenciado de nossos Encéfalos
(mesmo que muitos humanos não façam bom uso desse Encéfalo aumentado e
continuem usando seu Cérebro de Paleo Primata). Simplificando, precisamos de
Estresse e de Desafios para viver e para manter nosso organismo saudável.
Os índices
de obesidade tem crescido exponencialmente desde os anos 70. Desde essa época,
a Associação Americana de Cardiologia colocou a culpa nas doenças cardíacas e
infartos que se ampliavam na época na gordura de origem animal: carnes, ovos e
outras fontes de gordura foram demonizadas e os carboidratos “absolvidos”. O
que acontecia na época era o hábito de se fazer 3 refeições por dia, sem comer
nos intervalos. A Indústria começou a produzir nas pessoas o hábito de lanches.
Comer de maneira constante e quase o dia inteiro foi criando organismos que
lutam para estocar aquela quantidade de energia, ao mesmo tempo que tenta de
defender do excesso de oferta de comida, diminuindo a sensibilidade à Insulina,
por exemplo. Só que isso acaba sendo um tiro que sai pela culatra. Para ficar
“surda” à Insulina e tentar parar de produzir gordura, o que acontece é o
aumento dos níveis da mesma Insulina deixa a pessoa com fome e vontade de comer
o tempo todo, até isso virar um círculo infinito de comer, lanchar e procurar
açúcar e gorduras, sem saciedade. A parte mais perversa desse ciclo, que é o
acúmulo de gordura visceral e a somatória de citocinas inflamatórias, vão estar
implicadas na maioria das doenças que matam as pessoas, do Diabetes tipo II até
o Câncer.
As dietas
clássicas sempre insistiram em diminuir a carga de energia da dieta e o aumento
do gasto. Criar um balanço energético negativo. Isso pode ter alguma eficácia,
mas o custo é muito alto e muita gente, após interromper a dieta, recupera o
peso perdido com lucro. As dietas restritivas acabam virando dietas de engorda.
O corpo interpreta o período de redução de aporte calórico como uma espécie de
inverno ou de fome e corre a recuperar o peso perdido quando tudo volta ao
normal. Durante o período de restrição calórica, o corpo reduz o gasto de
energia e a quebra de gorduras, levando a grandes sacrifícios e resultados
muito ruins, pois o corpo se recusa a perder suas reservas. A guerra contra a
gordura acaba virando a promoção de mais gordura.
A dieta de
Jejum Intermitente se baseia em períodos progressivos de pausa alimentar, como
uma forma de quebrar o hábito deletério de comer em intervalos cada vez mais
curto, ou comer o dia inteiro. Quando a pessoa passa muito tempo sem comer, o
corpo se prepara para a adaptação a essa condição do ambiente. No começo, um
sistema de alarme é acionado, com a sensação de risco ou de fome: a Insulina
sobe, as reservas de açúcar do corpo são mobilizadas e a sensação é
desconfortável. Depois de um período, há a liberação da Leptina, e o corpo
começa a funcionar da maneira que foi programado no Paleolítico: o apetite
diminui, as gorduras começam a ser mobilizadas, o corpo começa a ficar mais
aguçado: agora preciso caçar e buscar alimento. A gordura precisa ser queimada
porque vou precisar estar mais leve para sobreviver. Há relatos de melhoras da
Cognição, da eficácia cardíaca e metabólica, porque o corpo, adaptado pela vida
moderna a ser sedentário e acumulador de gordura, agora precisa buscar o
alimento e fugir dos predadores. O exercício físico e a musculação ajudam nessa
sinalização. Está na hora de sacudir a poeira e voltar à caça. O jejum
intermitente é uma das manobras para tirar o corpo do modelo
acumulador/inflamatório que lota nossos hospitais.
É muito
importante transmitir a ideia que isso se dá numa maratona, não numa corrida de
tiro curto. O imediatismo para resultados criam ganho de peso rebote, como já
explicado. Para começar, podemos evitar comer nas três horas antes de dormir e
duas horas depois de acordar. Já dá uma janela de doze a treze horas sem comer.
Isso pode ir se estendendo, por exemplo, eliminando o café da manhã. Isso deve
ser feito todo dia? Pode ser feito em dias alternados. Ou dois dias sim, um
não. O importante é o corpo ativar os mecanismos de Hormese, com ativação do
sistema de otimização de funções corporais, geradas pelos intervalos. O
processo pode ir sendo ampliado até uma janela de alimentação de menos horas
por dia. A fórmula mais proposta é de 16 horas sem comer e 8 horas comendo: por
exemplo, jantar às 18 horas e voltar a comer no almoço do dia seguinte. Pelo
menos 3 dias por semana. Dr Jason Fung, um nefrologista que cansou de perder os
Rins de seus pacientes para o Diabetes e a Obesidade, aplica protocolos de dois
dias por semana de jejum ou de ingesta de menos de 500 calorias o dia inteiro,
com cinco dias de alimentação com cuidados com carboidratos. Os resultados
foram impressionantes, já que os pacientes estavam na luta para salvar seus
rins. Mas os benefícios não se restringem à perda de peso. Alguns tipos de
Câncer regridem com o Jejum Intermitente, assim como muitas doenças
inflamatórias, que incluem doenças cardiovasculares e demências.
Jason Fung
se utiliza da pressão em entrar na fila de Transplante para implementar seu
regime de jejum duas vezes por semana. A grande dificuldade é criar um sistema
que mobilize esse tipo de motivação nas pessoas que estão com sobrepeso sem
condições tão dramáticas.
A Medicina
e a Psiquiatria devem se aprofundar na difícil tarefa de restaurar a Hormese
perdida na vida moderna, e combater o hábito mortal de mastigar o dia inteiro.
E criar motivação para implementar dietas que ativem a Hormese. Isso leva tempo
antes dos resultados aparecerem, o que leva a muitas desistências. Entendendo
como funciona é mais fácil de estabelecer estratégias.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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