Ações necessárias para construir uma escola antirracista
Parceria entre famílias e escola,
representatividade entre alunos e funcionários, bolsas de estudo e acolhimento
são iniciativas que promovem o letramento racial para estudantes
O combate ao racismo no Brasil tem
evoluído ao longo dos anos, graças à criação de leis e políticas públicas que
garantem igualdade de direitos para todas as etnias. Mas, embora a maior parte
da população seja negra (54%), ainda há um evidente racismo estrutural no país,
decorrente de um processo histórico que modelou a sociedade brasileira.Dados
estatísticos revelam que o racismo está presente nas relações sociais,
políticas, econômicas, culturais e também interpessoais.
Raramente negros ocupam um lugar de
destaque em empresas, o índice de desempregados negros é superior aos brancos,
recebem salário inferior ao dos brancos, apresentam nivel de escolaridade menor
e têm expectativa de vida mais baixa em virtude da pobreza que proporciona uma
saúde mais precária. Outro dado que denuncia o racismo é que a cada 23 minutos
um jovem negro é assassinado no país.
Diversas iniciativas têm contribuído com
um processo de conscientização de como o racismo está inserido na cultura
brasileira. Uma delas é a implementação de uma educação antirracista nas
escolas para promover o debate e o conhecimento desde a primeira infância. É um
movimento que começou há um considerável tempo por meio de medidas como a Lei
10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e
afro-brasileira nas escolas, mas dezessete anos depois ainda enfrenta
dificuldades para ser colocada em prática.
Para implementar uma educação
antirracista eficiente é necessário mais do que apenas o cumprimento de leis. A
Escola Lumiar, por exemplo, tem uma comissão chamada “Construindo uma escola
antirracista”, composta por 41 membros, tanto por colaboradores como familiares
de alunos. Criada em 2021, essa comissão realiza encontros periódicos com o
propósito de fomentar ações capazes de fortalecer três pilares que possuem
potencial para construir uma escola antirracista: a representatividade, o
acolhimento e o letramento racial.
A representatividade e o acolhimento das
diferenças
Para compor uma comunidade escolar
étnico-racial e socialmente diversa, a Lumiar oferece bolsas de estudos que
possibilitam o ingresso de crianças e jovens preferencialmente negros,
afrodescendentes e indígenas, em condições sociais que não geram acesso a uma
educação significativa e transformadora. E, essa representatividade, também é
buscada na equipe de profissionais que trabalha na escola.
“Já faz alguns anos que fazemos uma
busca ativa de educadores e gestores negros, pois entendemos que a
representatividade precisa estar presente em toda a estrutura da escola.
Avançamos principalmente na contratação de mestres - especialistas das mais variadas
áreas que realizam projetos com nossos estudantes - o que já é uma vitória.
Porém, a desigualdade social impede que muitos negros tenham acesso a cursos de
inglês, o que faz com que tenhamos dificuldade de encontrar pedagogos negros
fluentes no idioma para serem tutores em nossas escolas bilíngues. Uma das
estratégias que adotamos foi apostar na formação de nossos próprios
colaboradores. Contratamos pessoas negras para funções em que a fluência em
inglês não é essencial, como estagiários ou assistentes volantes, e os
incentivamos para que desenvolvam esse conhecimento, assim a médio prazo, essas
pessoas terão a oportunidade de ser promovidas e teremos uma equipe mais
diversa, considerando também a variedade de funções que executam. Já estamos
começando a colher os frutos dessa iniciativa”, relata Graziela Miê Peres
Lopes, Diretora Geral das Escolas Lumiar.
Metodologia a favor do letramento racial
Além disso, a metodologia Lumiar
prioriza a autonomia e a individualidade de cada estudante. Os alunos entendem
que cada pessoa tem talentos e dificuldades diferentes e, com isso, cria-se um
campo de convívio propício ao acolhimento da diversidade e à valorização da
pluralidade. Entre as atividades pedagógicas, trimestralmente cada turma de
estudantes desenvolve projetos sobre assuntos de interesse dos grupos. São
iniciativas transdisciplinares que contam com a participação de especialistas
convidados. “Os projetos são uma excelente oportunidade para promover a
representatividade, pois podemos flexibilizar a questão do inglês. Recentemente
tivemos inclusive duas indígenas atuando como educadoras na unidade Pinheiros,
em São Paulo”, comenta Graziela.
Um exemplo do conjunto de práticas de
educação antirracista da Lumiar é o caso de Jeniffer Ronei. “Sou negra, pobre e
minhas filhas sempre estudaram em escolas públicas. Quando soube do processo de
bolsas de estudos da Lumiar, logo as inscrevi no processo seletivo. Entre a
data em que foram aprovadas e a matrícula se passaram quatro meses. Eu tinha
receio de que sofressem bullying ou preconceito por serem negras e bolsistas.
Mas aconteceu exatamente o contrário. A Nicole, que tem 11 anos, circula na
Lumiar de cabeça erguida, contribui com a sua leitura de mundo nos projetos
trimestrais e ainda ensina aos colegas que o preconceito muitas vezes está em
frases e situações corriqueiras”, comenta Jennifer que participa da comissão
antirracista, tanto como mãe de alunas quanto como funcionária da escola. Por
ser estudante de pedagogia, foi contratada como assistente no início de 2022.
Desse modo, uma escola pode trabalhar o
letramento racial em diferentes aspectos. Além de ensinar sobre como as
relações inter-raciais modelaram o país e incentivar a percepção do que é
equidade, é necessário desconstruir as formas de pensar e agir que foram
consolidadas na sociedade. “Toda criança passa por um processo de alfabetização
e de letramento para saber fazer o uso das palavras. Com o racismo, acontece a
mesma coisa. Acaba sendo reforçado por meio de leituras de ambiente e ações
aprendidas ao longo da vida. Quando uma pessoa se desenvolve em um espaço em
que há oportunidade para todos, passa a ter referências para reproduzir isso em
suas atitudes e cobrar esse posicionamento da sociedade”, aponta
Graziela.
Sobre a escola Lumiar | Fundada em 2003, a escola Lumiar surgiu como uma iniciativa de educadores de vanguarda para transformar a educação. Através de uma metodologia que prioriza a autonomia e a individualidade de cada estudante, o aprendizado se fundamenta em seis pilares: tutores e mestres; currículo em Mosaico; aprendizagem ativa; avaliação integrada; multietariedade e gestão participativa.
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