Carta aberta ao governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas
O futuro vai ser difícil, governador. Sob seu
comando estará um sistema prisional em frangalhos, transformado em máquina de
moer pessoas sem distinção
*Fábio Jabá
Os paulistas elegeram
um oficial do exército e ex-integrante de um governo com forte discurso voltado
à segurança pública, para governar o Estado nos próximos quatro anos. Caro
Tarcísio de Freitas, como profissional da segurança, policial penal há 22 anos,
gostaria de dar as boas-vindas ao senhor e lamentar não poder trazer boas
notícias do sistema penitenciário. O futuro vai ser difícil, governador.
Sob seu comando estará
um sistema prisional em frangalhos, transformado em máquina de moer pessoas sem
distinção. Na ânsia de endurecer a punição aos criminosos, o sistema foi
transformado em um ambiente que também massacra servidores públicos, seus
familiares e toda a comunidade com algum envolvimento, seja pessoal ou
profissional, com os presídios paulistas.
A população carcerária
de São Paulo está estimada em 198 mil pessoas, do tamanho de uma cidade de
porte médio, como Rio Claro. Apesar desse tamanho, em média, cada dois
servidores fazem o serviço de três. De um quadro total de 50 mil servidores, só
temos 35 mil guerreiras e guerreiros que sentem medo, ficam doentes, mas não
abandonam a missão de cuidar de um sistema sucateado por décadas de descaso.
Peço que o futuro
servidor público número 1 do Estado tenha sempre em mente a importância do
sistema prisional para a inteligência policial, única forma efetiva de reduzir
a criminalidade, e, portanto, de garantir a segurança de toda a sociedade. O
senhor certamente soube quando, em 2020, uma fuga do chefe da maior facção
criminosa do país foi frustrada porque um policial penal da P1 de Presidente
Bernardes encontrou o plano de fuga ao revistar uma cela. Me faltariam dedos
para contar quantas vezes policiais penais vasculharam o esgoto e até as
privadas, onde encontraram mensagens que, não queira imaginar a situação em que
estavam, foram montadas feito quebra-cabeças, e deram início a grandes
operações que prenderam traficantes de drogas, evitaram assassinatos de autoridades
e grandes assaltos do chamado “Novo Cangaço”, que deixa um rastro de terror por
onde passa.
Como retribuição
recebemos há anos um ‘banho-maria’ para a criação e regulamentação da nossa
profissão. Enquanto isso, seguimos atuando como polícia na prática, sem o
reconhecimento e as garantias de direito, sobretudo à nossa segurança pessoal e
de nossas famílias. Somos nós a primeira barreira entre eles e o mundo
exterior. Somos nós os obrigados a informar a eles que não terão atendimentos
por falta de servidores. Esse papel faz de nós o primeiro alvo de vingança. Não
é à toa que a expectativa de vida de um policial penal no Brasil é de 45 anos,
bem inferior à média nacional.
Temos que alertar que a
falta de servidores chegou ao absurdo de encontrarmos, em maio deste ano, um
único policial penal, DESARMADO, cuidando de 700 presos do semiaberto no Centro
de Detenção Provisória de Franco da Rocha.
Sim, governador,
acredito que o senhor tenha se espantado em saber que nos presídios do
semiaberto paulistas os policiais penais trabalham sem armas.
Agora imagine,
governador Tarcísio, que nessas unidades os detentos passam o dia todo soltos e
que, para fechar as celas à noite, um policial penal, armado apenas de um molho
de chaves, tranca cela por cela, cadeado por cadeado, expondo-se ao risco de
agressões e até de morte.
Isso aconteceu
recentemente no Centro de Ressocialização Feminino de Rio Preto. Cinco presas
agrediram as únicas três policiais penais de um plantão e fugiram com
facilidade. Os casos de agressão são constantes. Só este ano já foram 10. Não à
toa as unidades do regime semiaberto passaram a ser consideradas mais perigosas
para os servidores do que os presídios de regime fechado, o que mostra que a
coisa está de cabeça pra baixo, governador.
Os funcionários do
sistema prisional não reivindicam nada ao governador, a não ser o cumprimento
de leis e regras constitucionais que já existem, como a regulamentação da
Polícia Penal de São Paulo, atrasada há três anos e parada desde agosto, e a
recomposição de servidores para atender ao Artigo 1º do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária, que estabelece o número mínimo de 1 policial
penal cuidando de, no máximo, 5 detentos.
Governador Tarcísio,
antes mesmo da sua posse, em dezembro, o sindicato que representa os servidores
organizará um seminário, com a participação de todos os atores envolvidos no
sistema prisional: a troca de ideias será entre autoridades de segurança
pública; OAB; organizações sociais; especialistas e populações vizinhas que sofram
impactos negativos de unidades prisionais. Será a melhor oportunidade para
conhecer detalhes que só quem vive o sistema no dia a dia pode saber.
Nós, policiais penais,
desejamos boa sorte ao seu mandato e nos colocamos à disposição para auxiliar
na construção de um sistema prisional que cumpra seu objetivo de ressocializar
quem um dia perdeu-se dos caminhos da Lei. Hoje, inaceitavelmente, o sistema é
uma fábrica de criminosos.
*Fábio Jabá é presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional de São Paulo (SIFUSPESP) e secretário-geral da Federação Nacional Sindical da Polícia Penal (FENASPPEN)
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