Por que as pessoas estão agindo de forma tão estranha?
Marco Antonio Spinelli*
Em nosso cérebro, temos
duas formas básicas de Processamento de Informações: T1 e T2. A primeira forma
é mais instintiva, quase reflexa. Lembro na Copa de 94, jogo das oitavas,
Brasil e os donos da casa, Estados Unidos. Leonardo se preparava para bater um
lateral, o americano ficou puxando seu braço e tentando tomar a bola. O lateral
era do Brasil e o cara não tinha nada que ficar puxando o braço do nosso
jogador. Leonardo queria repor o jogo e, quando o cara insistia em puxar o seu
braço, tentou sair e bater o lateral, o pentelho continuou atrapalhando.
Quase sem perceber, e
sem dúvida sem pensar, Léo soltou um cotovelaço na cabeça do cara, que
desmaiou. Foi expulso com as mãos na cabeça, sem poder explicar que não tinha a
menor intensão de mandar a nocaute o seu adversário. Essa é a ação de T1: uma
reação imediata, geralmente explosiva, que não passa pelo crivo de nosso Juízo.
A reação T2, ao contrário, é pensada, calculada, mesmo numa situação de alta
pressão.
Lembro de uma vez que
estava numa loja. Desci do carro e toquei levemente com a minha porta na porta
do carro ao lado. Desceu um senhor mal educado que começou a gritar palavrões
como se tivesse destruído seu carro. Olhei para meu filho ao lado, que na
ocasião deveria ter uns cinco anos e estava no banco de trás. Minha vontade era
dar uma cabeçada no cara, ou pelo menos uma peitada, mas a decisão, correta,
foi deixá-lo se afastar aos gritos antes de abrir a porta e tirar meu filho da
cadeira. Esse é o Processamento T2: o Cortex Pré Frontal e o Cíngulo Anterior
calculam e executam a melhor decisão, ou a melhor possível, enquanto o Cérebro
Emocional dá cambalhotas de raiva. O nome dessa capacidade, vital para os
quadros psiquiátricos de nosso tempo, é a Regulação Emocional.
Estamos vivendo uma
época em que, aqui e acolá, vemos cenas inacreditáveis de descontrole e perda
da capacidade de Regulação Emocional com explosões inacreditáveis de raiva e
agressividade. Uma cliente minha avançou no pescoço de uma chefe, depois de
meses de comportamento abusivo (não é boa publicidade para meu consultório). A
deputada Carla Zambelli atravessou a rua com arma em punho para ameaçar um
petista que a tinha ofendido. Em plena luz do dia, famílias passando, crianças
de mãos dadas com seus pais. Discussões de boteco terminam em tiroteio. Nessas
semanas eleitorais não foi incomum ouvir gregos e troianos gritando contra o
candidato adversário. A esposa de um dirigente de futebol, do Flamengo, foi às
redes sociais falar impropérios contra os nordestinos, que segundo sua visão,
elegeram o Lula. Gente, o que está acontecendo?
Estamos sendo
bombardeados, nas redes sociais e sobretudo WhatsApp, por mensagens e imagens
que estimulam a profundidade de nosso Cérebro Emocional. A técnica é cutucar em
nosso Medo e Instinto de Sobrevivência. Se o outro ganhar, vamos ter a
implantação de um regime Nazista, ou vamos virar a Venezuela, com comunistas e
nazistas pedófilos abusando de nossas crianças. A sensação de medo, de Ameaça
Iminente, desliga os circuitos de racionalidade, permitindo o comportamento
impensado, reflexo e direcionado a aniquilar aquele que me ameaça ou ameaça
minha família. Seria o equivalente a eu pegar um cano e bater na cabeça do
tiozinho malcriado por imaginar que fosse atacar meu filho.
Passamos por um período
em que esses circuitos foram ativados e levados ao estresse máximo, gerando
reações paradoxais, com pessoas sem antecedente de explosões ou violência. O
denominador comum é o desespero quando alguém não compartilha dos memes e fake
News da minha Bolha. Como vocês não enxergam que o mundo vai acabar se o tal
cara ganhar? Assisti uma aula que mostrou um cara amarrado e amordaçado em um
avião, após uma discussão banal com a aeromoça que quase terminou em tragédia.
Está na hora de coçar a
cicatrizar as feridas. Diminuir o hiperestímulo. Pacificar ganhadores e
derrotados. Explicar que essas cutucadas em nossos Medos e Indignações mais
profundos estão tendo um efeito tóxico, separando amigos e famílias, trazendo à
tona ódios que não são nossos, ou, se são, precisam ser trabalhados em
ambientes protegidos, como uma Psicoterapia. Está na hora da Regulação
Emocional virar matéria escolar obrigatória, em escolas, faculdades e
corporações. Chega de manipulação de nossos Medos.
A essência do
Desenvolvimento Psíquico é criar Consciência. A essência da Psicose Coletiva é
transformar todos numa besta, que reage sem pensar.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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