Cidadã e condecorada: Brasil concede insígnia da Ordem de Rio Branco à ex-apátrida Maha Mamo
Reconhecida por sua atuação pelo fim da
apatridia no mundo, Maha Mamo é um dos símbolos da campanha "I
Belong", do ACNUR
Brasília, 8 de dezembro de 2022 – Maha Mamo nasceu há 34 anos, mas
só passou a existir oficialmente há quatro. Por 30 anos, ela foi apátrida: viveu sem nacionalidade, sem registro,
sem documentos e, por consequência, sem ter acesso aos direitos mais básicos
que decorrem da cidadania, como poder viajar com o time de basquete do qual
fazia parte.
Maha e os irmãos, Souad e Edward,
chegaram ao Brasil em 2014 em busca de proteção e de serem reconhecidos como
cidadãos – o primeiro documento que obtiveram foi o passaporte que os permitiu
chegar ao país. Em 2018, ela foi reconhecida como apátrida e, em seguida,
recebeu a cidadania brasileira. Foi quando começou a colecionar conquistas.
Conquistou uma carteira de identidade e o direito de ir e vir, viajou para
muitos países, tornou-se porta-voz pelo fim da apatridia, lançou um livro
autobiográfico, abriu uma empresa, e comprou uma casa com a esposa, Bela.
Para a coleção de conquistas, nesta
quarta-feira (7), Maha adicionou uma insígnia. O Brasil condecorou a
ex-apátrida com a Ordem de Rio Branco, Grau de Cavaleiro, por sua atuação
cívica pelo fim da apatridia.
Instituída em 1963 em homenagem ao Barão
do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, a insígnia é atribuída a
pessoas físicas, jurídicas, corporações militares ou instituições civis,
nacionais ou estrangeiras, pelos serviços ou méritos excepcionais. Na insígnia,
está gravada uma expressão em latim extraída dos livros do Barão do Rio Branco,
“Ubique Patriae Memor”, ou seja, “Em qualquer lugar, terei sempre a Pátria em
minha lembrança”.
Maha, que não teve pátria por muito
tempo, se identifica com a frase. “É com muito orgulho que continuarei a levar
o nome e o bom exemplo do Brasil para todos os países onde eu estiver. É uma
grande honra receber este tão importante reconhecimento da diplomacia
brasileira”, afirmou Maha, que dedicou a nova conquista a todas as milhões de
pessoas apátridas no mundo.
A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR)
estima que cerca de 4,3 milhões de pessoas em todo o mundo são apátridas, não
pertencem a lugar algum. Para transformar este cenário, governos podem mudar
suas leis e procedimentos, a fim de garantir aos apátridas seus direitos e dar
a eles um lugar para pertencer.
“Com a Lei de Migração de 2017, o
procedimento de reconhecimento da apatridia passou a existir no Brasil, e
beneficiou pessoas que, como Maha, tinham muita dificuldade em acessar direitos
básicos, como educação, cuidados médicos ou emprego legalizado”, explica o
representante interino do ACNUR no Brasil, Oscar Sanchez Pineiro.
Em 2018, Maha e a irmã Souad foram
as primeiras pessoas reconhecidas pelo Governo Brasileiro
como apátridas após a Lei de Migração.
30 anos sem pátria
Maha nasceu em Beirute, capital do
Líbano, mas não pôde ser registrada como libanesa porque o país, como a maioria
das nações, concede a nacionalidade pelo sangue, e não pelo território onde se
nasce. Ela teria, então, que assumir a origem dos pais, sírios. No entanto, o
pai, Jean Mamo, é cristão, a mãe, Kifah Nachar, é muçulmana, e as leis da Síria
não permitem o casamento inter-religioso.
Maha e os irmãos não pertenciam a lugar
algum, não eram sírios nem libaneses, e precisaram lutar pelas questões mais
elementares de cidadania, como frequentar uma escola, ter acesso a hospitais ou
desfrutar da liberdade de ir e vir. Os três só conseguiram deixar o Líbano
depois que a Embaixada do Brasil em Beirute concedeu a eles um documento de
viagem chamado “Laissez-passer”, um visto humanitário que fazia parte da
resposta do governo brasileiro à guerra da Síria, iniciada em 2011, para
proteger a população diretamente afetada pelo conflito.
Na busca pela cidadania, Maha contou com
o apoio irrestrito do ACNUR, apoiando-a em diversas viagens Brasil afora para
que ela pudesse apresentar quem são as pessoas apátridas, assim como sua
trajetória, agora como cidadã brasileira. Hoje, ela é uma das personalidades
mais atuantes da campanha I Belong, que pretende acabar com a apatridia no
mundo até 2024.
Uma meta ambiciosa, mas com a qual Maha se permite sonhar.
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