A urgência da isonomia tributária: por que operações com ativos virtuais devem ser equiparadas ao câmbio para fins de IOF
Por Sérgio Brotto, CEO da Dascam Corretora de Câmbio
O avanço dos ativos digitais tem reconfigurado as fronteiras das finanças globais e o Brasil testemunha um crescimento exponencial nesse setor. No entanto, a velocidade da inovação tecnológica escancarou uma lacuna regulatória que, hoje, cria uma assimetria concorrencial e tributária insustentável: o uso de criptoativos, especialmente stablecoins lastreadas em dólar, como mecanismo para contornar a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em transações internacionais.
Enquanto operações tradicionais de câmbio, como remessas ou pagamentos com cartão internacional, sofrem, em regra, a incidência de IOF-Câmbio de 3,5%, um mercado paralelo floresce. Isso ocorre porque a legislação atual não classifica transações com stablecoins como operações cambiais, o que incentiva seu uso crescente. De acordo com estimativas divulgadas por plataformas especializadas, a negociação da stablecoin Tether (USDT) saltou 78% entre 2024 e 2025, movimentando bilhões de dólares.
A mecânica é simples: usuários convertem reais em stablecoins (como USDT ou USDC) via Pix, pagam spreads mínimos e utilizam cartões de débito internacionais que fazem a conversão automática dos criptoativos em moeda fiduciária no ponto de venda, tudo isso sem pagar IOF. O resultado é um desequilíbrio tributário que prejudica diretamente as instituições financeiras tradicionais e mina a isonomia fiscal.
O cerne do problema está na colisão entre a realidade econômica e a tipicidade fechada do Direito Tributário. O Marco Legal das Criptomoedas (Lei nº 14.478/2022) define os criptoativos como “ativos virtuais”, excluindo-os explicitamente do conceito de “moeda nacional” ou “moeda estrangeira”. Já o fato gerador do IOF-Câmbio, previsto no Artigo 63 do Código Tributário Nacional, está atrelado à “entrega de moeda nacional ou estrangeira”. Ou seja, se o ativo virtual não é legalmente considerado moeda, sua movimentação transfronteiriça, ainda que tenha o mesmo propósito econômico de um câmbio, não se enquadra na hipótese de incidência do imposto.
Essa discrepância vai além da arrecadação: é um problema de segurança jurídica e competição leal. Há precedentes preocupantes. A Receita Federal já enfrentou casos semelhantes nos anos 1990, quando operações com Treasury Bills (T-Bills) foram usadas para simular remessas e, depois, requalificadas como ilegais pelo Carf. O risco de o mesmo acontecer agora é real, e os impactos podem incluir a cobrança retroativa de IOF a 25% e multas por evasão fiscal.
Mas como corrigir essa distorção sem violar a Constituição?
A solução não pode vir de um simples decreto. Alterar o Decreto 6.306/2007, que regulamenta o IOF, para abranger ativos virtuais seria inconstitucional, pois criaria um novo fato gerador sem respaldo em lei, violando o Princípio da Legalidade Tributária (art. 150, I, da CF/88).
O caminho correto é a edição de uma Lei Ordinária ou Medida Provisória, que estabeleça, de forma expressa, a equiparação das operações com ativos virtuais às operações de câmbio para fins de incidência do IOF. Essa lei deve ainda definir o responsável tributário, provavelmente as Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (VASPs) e a base de cálculo (o valor convertido em reais).
A boa notícia é que, por ser um imposto de natureza regulatória, o IOF é exceção aos princípios da anterioridade. Assim, uma vez publicada a nova norma, a cobrança poderia ser imediata.
O mercado de ativos digitais não é o futuro, é o presente. As stablecoins já estão transformando a forma como o dinheiro circula entre fronteiras, e fingir que isso não tem natureza cambial é fechar os olhos para a realidade.
A equiparação legal das operações com criptoativos ao câmbio não é uma medida contra a inovação, mas sim uma etapa essencial de maturidade regulatória. Somente com isonomia tributária e clareza jurídica o Brasil poderá equilibrar inovação, arrecadação e segurança, garantindo um ambiente competitivo saudável, tanto para o sistema financeiro tradicional quanto para os novos players digitais.
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