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Além do Mais Médicos, o programa “Mais Vagas”

Antonio Carbonari Netto*

O Programa Mais Médicos foi implantado devido à precariedade do atendimento ambulatorial prestado pelos governos municipais, estaduais e federal, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da falta de clínicos e especialistas para assistir a população carente em muitas regiões do Brasil, houve um grande esforço de resistência do poder público à ampliação de vagas nos cursos de medicina, com o apoio indireto do Conselho Federal, dos regionais, associações e sindicatos da categoria. O posicionamento dessas entidades, movido pela proteção corporativa, é claro, e não em defesa da qualidade acadêmica, provocou imensa restrição do acesso às faculdades. Ora, defender excelência com vagas escassas e para poucos é fácil demais; o difícil é manter um alto padrão simultaneamente ao aumento da oferta e, portanto, do número de profissionais formados.

O arrocho no acesso aos cursos é de responsabilidade de quem? Dessas corporações? Das autoridades desses governos, que se amedrontaram com a pretensa falta de qualidade? Está muito claro hoje de quem são essas responsabilidades, pois há mais de 20 anos as entidades da categoria defendem "poucas vagas e mais excelência". Pergunta-se: é justo que o povo arque com os ônus do mau atendimento? Esqueceram-se de que o País cresceu e se modernizou, mas pouco se desenvolveu! A população aumentou bastante e se multiplicaram os necessitados por melhor atendimento na saúde. O que os responsáveis fizeram? Sempre apoiaram medidas e ações restritivas à expansão de vagas nas faculdades já existentes, chegando a sugerir, como de fato conseguiram, barrar a criação de novas escolas.

O Governo Federal, ante tal situação, teve de contratar médicos estrangeiros, os quais, aliás, são muito queridos pelas comunidades carentes que atendem nos postos de saúde e de puericultura ou em prontos-socorros. Fica claro que a classe política deveria lutar por mais médicos e mais vagas nas escolas de medicina de boa qualidade (conceitos 3, 4 ou 5 pelo MEC); ou ampliação gradativa de 20% ao ano para as melhor avaliadas diretamente (conceitos 4 ou 5 pelo MEC); ou, ainda, por mais cursos nos locais de grande necessidade. Porém as novas faculdades não devem ser criadas por lei ou processos licitatórios, como está sendo feito ultimamente. O Ministério da Educação deveria abrir mais prazos para protocolo de pedido de criação dos cursos e mais vagas nas melhores instituições já existentes.

É evidente que, ao falar de qualidade na formação dos médicos, estou me referindo a projetos pedagógicos adequados, professores qualificados, estrutura laboratorial e boas práticas hospitalares do curso (hospital próprio) ou próximo dele (convênio). A excelência no atendimento nos postos de saúde também depende dos materiais e da infraestrutura disponível que as autoridades responsáveis deverão disponibilizar, sempre respeitando, obviamente, a lei de responsabilidade fiscal.

Apoio, ainda, a divisão do curso de medicina em dois segmentos: o primeiro, de quatro anos completos, destinado à formação de clínicos gerais para a medicina comunitária e atendimentos emergenciais nos postos; o segundo, mais aprofundado, para todo o aprendizado das práticas cirúrgicas e de especialidades. É lógico que cada unidade de atendimento deveria ser supervisionada por médico com formação mais ampla e experiente.

É preciso aumentar o número de médicos no Brasil. O ideal é que se faça isso por meio da ampliação da disponibilidade de vagas nas boas faculdades e da criação de novos cursos de qualidade. Se persistir a resistência a essa solução lógica, será inevitável continuar a busca por profissionais em outros países.

*Antonio Carbonari Netto, membro do Conselho Nacional da Educação (CNE), é matemático pela PUC-Campinas, com MBA em Gestão Universitária e Mestre em Administração, Educação e Comunicação na Unimarco, membro da Academia Brasileira de Ciências da Administração e vice-presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior do Estado de São Paulo.

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