Igreja de Sant´Ana, com quase 300 anos, é restaurada e reaberta na Bahia, após 11 anos de reforma
Este mês o templo reabre com toda sua imponência, comemorando a vitória de uma comunidade que se uniu para evitar o desabamento de um dos principais acervos sacros da Bahia
Este pensamento alimentou suas ações em todo este período. Com o apoio dos paroquianos, que aos poucos voltavam a participar da vida da igreja, decidiu partir para a luta. Conseguiu criar uma comissão de restauro que desenvolveu um projeto junto ao Iphan da Bahia, que após aprovado, recebeu apoio do BNDES. Em 2009 o banco aportou R$ 2,7 milhões, para a primeira etapa da reforma. No ano de 2014, um novo contrato foi assinado com o BNDES, no valor de 5,4 milhões, em três parcelas, para a conclusão da obra. Todo o trabalho contou também com o apoio de uma empresa baiana – Global Participações em Energia-, que participou da última etapa dos trabalhos de restauração com 10% do valor total previsto.
E depois de muita luta, trabalho em conjunto, união da comunidade e de todo período de reformas e restauro, a Igreja de Sant’Ana foi reaberta hoje com toda sua imponência, para os festejos de sua padroeira, que irão se estender por todo o mês de julho. “Já estou emocionado demais. Sempre tive a firme convicção de fé de que a igreja é de Deus e que a Senhora Sant’Ana estava intercedendo por seus filhos e pelo seu Templo. O sentimento que invade a minha alma, agora, é de gratidão a Deus, à Senhora Sant’Ana e a todos quantos estiveram conosco nestes anos de trabalhos exigentes e prazerosos”, desabafa padre Abel Pinheiro. Segundo o superintendente do Iphan na Bahia, Bruno Tavares, presente ao encontro com jornalistas, para o instituto a satisfação é imensa, em ver um projeto desta grandiosidade ser realizado de forma tão competente e com resultados tão positivos para toda a comunidade.
Legenda: Coordenador do projeto, padre Abel Pinheiro e o superintendente do Iphan na Bahia, Bruno Tavares
Crédito foto: Sidney Haack
Restauração
O processo de reforma e restauração da igreja, uma das principais referências do acervo sacro arquitetônico e histórico do Estado, acabou com o receio da perda de sofisticados entalhes e de relíquias de pinturas assinadas por grandes nomes da época, como os pintores Franco Velasco, José Rodrigues Nunes e José da Costa Andrade. O mesmo Velasco pintou obras nas igrejas Ordem 3º de São Francisco e Bonfim, também em Salvador. Segundo o restaurador responsável pelo projeto artístico da paróquia, José Dirson Argolo, a pintura original de onze painéis e do medalhão que ornamentava o forro principal da igreja estava coberta sob camadas de outras pinturas, o que impedia a identificação das obras em função da alteração de cores. Estas modificações foram sofridas na segunda metade do séc. XIX, a exemplo do forro da nave, restaurado em 1855 por José Rodrigues Nunes, que usou tinta à base de óleo, produto utilizado naquela época, que provocava forte oxidação, modernamente substituído por materiais quase isentos de alteração.
A Igreja de Sant´Ana, assim como diversos outros templos do patrimônio baiano, sofreram radical transformação ao longo do séc. XIX. No caso de Sant´Ana, as reformas ocorreram entre 1814 e 1828, quando o templo perdeu sua decoração barroca (altares, pinturas e talhas), que foi substituída por outras no estilo neoclássico. Esse estilo passa a imperar no Brasil, após a chegada de D. João VI, com a família real portuguesa, em 1808, que trouxe um novo conceito de arte mais despojado: o neoclássico. Este conceito de arte foi reforçado em 1816 com a vinda para o Brasil da Missão Artística Francesa, cujo um dos expoentes foi o pintor Debret.
Da decoração barroca original sobreviveram às reformas, algumas imagens, os frontões das tribunas da nave e o corrimão da escadaria que dá acesso ao primeiro pavimento. “Descobrimos, por exemplo, uma belíssima pintura no teto do batistério escondida sob três camadas espessas de tinta, encobrindo elementos florais e querubins”, disse Argolo. Para o especialista, em mais de 30 anos de atuação de restauração em dezenas de igrejas, ele nunca havia visto uma igreja em pior situação que a de Sant´Ana. “Ficamos surpresos com a degradação da estrutura. Os cupins acabaram com a antiga estrutura da igreja, as pinturas estavam em péssimo estado, e grande parte das sofisticadas cimalhas do forro da nave havia desabado. Quanto mais mexemos, mais coisas encontramos”, disse Argolo.
O processo de recuperação da igreja - que foi construída em 1747 - iniciou em 2008, com o lançamento do Movimento Salve Sant´Ana. A importância da igreja, tombada como patrimônio nacional e que guarda tesouros no seu entorno, como os restos mortais da heroína da Independência da Bahia, Maria Quitéria, chamou a atenção da comunidade para o seu estado. Sant´Ana faz parte também da vida de personagens que ajudaram a construir a história da Bahia. Padre Abel conta que Irmã Dulce, a religiosa baiana, morava nos arredores da igreja e era assídua frequentadora do templo católico. Conta a história que foi na Igreja Matriz de Sant’Anna que Irmã Dulce decidiu ingressar na vida religiosa.
Crédito foto: Sidney Haack
“Entre os elementos recuperados se encontra o altar de São Benedito, inteiramente recuperado pelo Instituto do Patrimônio Artístico Cultural (Ipac), após ter sido depredado por um adepto da Igreja Universal do Reino de Deus, em fins de 2007. A obra, também do século XIX, levou quase dois anos para ser recuperada, envolvendo três restauradores responsáveis e 27 auxiliares do Ipac. “Precisamos exaltar o esforço das entidades nas esferas municipal, estadual e federal, que entenderam a importância histórica da igreja, e, ao lado da comunidade, incansável na realização de eventos para angariar fundos, tem nos ajudado nesta luta”, bem como o Iphan, Superintendência da Bahia, que tem dado todo apoio na coordenação técnica dos serviços de restauração”, disse padre Abel Pinheiro. A igreja de Sant´Ana integra o rol de outras 16 igrejas em Salvador que nos últimos dez anos foram restauradas.
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