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Diferenças de relações dos EUA não permitem comparação entre Vietnã e Afeganistão

(*) André Frota

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Após vinte anos da ocupação militar dos Estados Unidos no Afeganistão, terminou a intervenção iniciada após o 11 de setembro de 2001. O general de brigada Christopher Donahue foi o último soldado a estar em solo afegão na última segunda-feira, dia 30 de agosto de 2021. Nas últimas semanas, devido a essa movimentação, boa parte da opinião pública internacional tem atribuído aos EUA uma derrota histórica. Os números envolvidos nesse esforço bélico que se encerra são de quase um trilhão de dólares gastos, 2.465 soldados mortos, 3.846 mercenários, 66.000 militares afegãos, 1.144 soldados da força aliada a OTAN, 47.245 afegãos civis, 444 agentes de saúde, 72 jornalistas e 51.191 talibãs.

A título de comparação, a Guerra interestatal entre o Vietnã do Norte e do Sul – que durou de 1964 até a derrota do Sul e posterior unificação do Vietnã em 1975 – teve um gasto direto dos norte-americanos em 141 bilhões de dólares, 58.200 americanos mortos, mais de 200.000 sul vietnamitas e mais de 1.000.000 de vietnamitas do Norte, além de 2.000.000 de civis (números extraídos das estimativas mais brandas). Em termos absolutos, a guerra do Vietnã teve um custo humanitário e financeiro incomparavelmente maior. Seja em número de soldados ou de civis, bem como de porcentagens do PIB empregado. 

Quando colocamos os números em perspectiva, o PIB americano era de 1,6 trilhões em 1975, enquanto em 2021 é de 21.4 trilhões. O que exige uma adaptação do total gasto com a guerra, quando comparado ao total disponível de recursos a serem empregados. Já os números de civis e soldados mortos no Vietnã devem ser considerados em dado qualitativo. No entanto, quando comparados à população total do país que estava entre 48,7 milhões, em 1975, caso seja adotada a estimativa total de 3 milhões de pessoas mortas na guerra o valor representa uma catástrofe humanitária de ainda maior proporção.   

Ao fim e ao cabo, 1975 não é 2021. O perfil da guerra no século XXI se aproxima de um modelo híbrido que extrapola o confronto clássico entre dois estados. Todas as operações de combate que envolvem contrainsurgência, combate ao terrorismo, guerra proxy, cyber guerras, disputas narrativas, narcotráfico, financiamento e treinamento de grupos paramilitares fazem parte do jogo que se mantém em operação no Oriente Médio. Então, apesar do fim do ciclo intervencionista dos EUA no Afeganistão ter encerrado, a guerra não terminou. O inimigo nunca foi o estado afegão, mas sim a rede terrorista que se associava ao Talibã. Al Qaeda e Osama Bin Laden eram os inimigos diretos. 

E a pergunta que fica diante da evacuação é: o terrorismo e as ameaças representadas por esses grupos terminaram? A resposta da literatura é não, infelizmente. O terrorismo é um inimigo difuso e a nova ameaça, ainda presente no Afeganistão, é o próprio Taliban e a incerteza de como esse grupo irá se relacionar com as organizações terroristas. Assim como as relações entre grupos – em tese rivais – como o ISIS-K, uma célula do Estado Islâmico situada no Afeganistão e que tende a se fundir com a antiga Al Qaeda. 

Um dos aspectos centrais para diferenciar a derrota no Vietnã e a derrota no Afeganistão é que o teatro de operações do Oriente Médio ainda é um espaço ativo de uma guerra difusa e não limitada ao território afegão, que por sinal, encontra-se no continente asiático. E o fim da ocupação americana indica, substantivamente, o fim da proteção aos civis afegãos e ocidentais situados em Cabul, assim como o recuo de uma operação anacrônica de guerra e uma mancha eleitoral para a candidatura democrata de Joe Biden. 

O tabuleiro estratégico militar no oriente médio, que tem no Afeganistão uma porta de entrada para a Ásia central, segue como um cenário relevante para os interesses dos EUA. A forma de engajamento, entretanto, deixará de ser mediante o uso de cidadãos americanos. E a população afegã instrumentalizada pela guerra iniciada em 2001, essa agora ficará submetida ao regime dos Talibãs.

(*) André Frota é professor de Relações Internacionais e Geociências do Centro Universitário Internacional UNINTER 

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