O mundo das narrativas e dos fatos
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Patricia Punder, Advogada e CEO da Punder Advogados
Desde o
início de 2021, temos escutados na televisão e mídias sociais a discussão entre
narrativas e fatos. O debate tem sido acirrado de todos os lados. Muitas vezes,
fica a impressão que as narrativas se sobrepõem aos fatos por serem menos duras
de serem escutadas pelos cidadãos brasileiros.
Como
seres humanos escutar que morreram mais de 600 mil brasileiros devido a
pandemia ou que temos pessoas nas ruas correndo atrás de caminhões de lixo em
busca de alimentos é um cenário, no mínimo, desumano. Por isso, a narrativa
torna o mesmo mais palatável, pelo menos, quando assistimos tais situações por
meio dos instrumentos de comunicação.
Segundo o
dicionário online, narrativa significa “exposição de um acontecimento ou de uma
série de acontecimentos mais ou menos encadeados, reais ou imaginários, por
meio de palavras ou de imagens”. Já a definição de fatos significa “situações
acabadas ou que estão prestes a acontecer”. Na prática são acontecimentos ou
situações existentes, mas com discursos distintos.
Tanto a narrativa,
quanto os fatos, podem ser distorcidos, alterados e até manipulados. Quem age
desta forma atua sem ética e transparência. Usa como um instrumento de desculpa
por ter deixado de fazer algo ou ter feito algo que não deveria ter sido
realizado.
Temos
muitas crises na mesa, seja a econômica, a social, a ambiental, mas, agora
temos principalmente a crise moral. A frase que o Brasil é o país do futuro,
tristemente, tem mais idade que minha avó no auge dos seus 97 anos. Se
continuarmos nesta toada de corrupção endêmica e sistema, onde o comparatismo
das instituições, que deveria atuar para o bem estar da população, nunca
seremos o país do futuro.
Muitos
criticam a operação Lava Jato, mas foi a primeira grande operação da história
brasileira que demostrou ser possível combater a corrupção e os crimes
concorrenciais. Respeito quem discorda desta operação, mas ela mexeu em
estruturas que antigamente eram consideradas “intocáveis”. Como ter um ambiente
econômico saudável e com concorrencial leal se o mercado era dividido por um
pequeno grupo? Quantas empresa de médio porte não conseguiram acessar mais
negócios, pois as cartas do jogo já estavam marcadas. Tudo isso foi totalmente
prejudicial para a economia.
Foi
somente depois da referida operação que literalmente “caiu a ficha” que os
programas de Compliance eram absolutamente necessários. Tivemos um crescimento
estrondoso, tanto em empresas de grande porte, como nas médias e pequenas.
Claro que muitos programas de Compliance foram implementados apenas no papel para
que as empresas não perdessem clientes ou licitações. Contudo, existiu um ciclo
virtuoso neste sentido.
Felizmente,
muitas empresas viram os benefícios dos programas de Compliance em seu ambiente
interno e externo. Conseguiram mais crédito internacional, tiveram bons
“ratings”, diminuição do “turnover”, dentre outros. Claro, as empresas que, de
fato, implementaram programas de Compliance efetivos.
Mas,
neste momento que vivemos, o retrocesso voltou. A nova lei de improbidade
administrativa ajuda e muito quem age de forma não ética e ilegal. Nosso Código
de Processo Penal está ultrapassado. Temos recursos em cima de recursos. Quem
pode pagar um bom advogado não vai para a prisão. Os comitês de ética dos
poderes estão, como dizem os mais jovens “brisando”, pois o corporativismo fala
mais alto. Meias, cuecas e caixas cheias do nosso dinheiro são constantes
noticiários. Não existe dinheiro público, existe dinheiro do contribuinte que
paga impostos e o mesmo tem que ter uma destinação social. Parabéns a Ministra
Rosa Weber do STF ao exigir transparência e explicações para onde foi parar o
dinheiro de emendas do orçamento secreto.
Como
explicar para um jovem atual que a ética e o trabalho honesto compensam? Fica
muito difícil. Muitos estão com os pais desempregados, depois de anos
trabalhando e contribuindo para a previdência social e agora pegam lixo para
comer. Outros jovens pensam que para ganhar dinheiro fácil o negócio é ser
político, influenciador digital ou entrar em um destes programas onde ficam
confinados e filmados o tempo todo. Faço aqui uma retratação prévia, pois nem
todo o político ou influenciador digital age de forma não ética ou ilegal.
Sempre existem boas exceções que ajudam a influenciar o mundo.
Não sou
uma pessimista, nem otimista, mas uma pessoa que possui esperança. Passei minha
infância ouvindo que político bom era o que roubava, mas fazia. Eu realmente
ficava focada com esta relativização da ética. Mas, era o que tinha para a
ocasião. Agora, com a esperança que tenho, até por ter acompanhado mudanças
positivas no cumprimento da lei e da ética mesmo que por um breve período de
tempo, fico na torcida que teremos um próximo ano, quem sabe, melhor. Sem
ética, transparência, cumprimento da lei, independentemente da pessoa que irá
sofrer as consequências, deve ser a evolução que muito precisamos. Chega de
narrativas como desculpas e vamos colocar a mão na massa com os fatos.
Patricia
Punder, advogada é compliance officer com
experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC
– Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”,
lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.
Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil).
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