PEC dos Precatórios: Fim horroroso ou horror sem fim?
* Por Luis Otavio Leal
Entre as idas e vindas da PEC dos
Precatórios, devemos perguntar: se ela é mesmo tão ruim, por que os ativos
pioravam toda a vez que a sua aprovação ficava ameaçada e melhoravam quando o
inverso acontecia?
A PEC dos Precatórios é um “fim
horroroso” para o problema de arrumar espaço dentro do Teto dos Gastos para as
demandas políticas, mas as opções na mesa para substituí-la poderiam
transformar essas discussões em um “horror sem fim”. A ideia de se acionar
novamente o estado de calamidade, retirando as amarras fiscais em 2022, abriria
uma caixa de pandora de gastos de difícil mensuração. Portanto, partindo da
ideia de que a “opção” é pior, vamos aproveitar a aprovação da PEC dos
Precatórios na Câmara dos Deputados para mostrar a razão do mercado ter ficado
tão ‘nervosinho’, em relação a sua elaboração, e o motivo da comemoração, após
ela ter passado pelo seu primeiro teste no Congresso.
O título “fim horroroso”, refere-se à
solução encontrada pelo governo federal para encaixar o Auxílio Brasil dentro
do Teto dos Gastos. Isso nos parece bem adequado. Primeiro, porque adia o
pagamento de parte dos precatórios, que é uma dívida transitada e julgada pela
justiça, de modo que a diferença disso para calote é uma mera questão
semântica. Segundo, porque esse adiamento vai levar a um efeito cascata futuro,
que terá efeitos nocivos sobre as contas públicas muito além de 2022. Ou seja,
para resolver um problema do ano que vem, estamos arrumando um problema para
2023 em diante. Terceiro, porque mexeu em uma das cláusulas pétreas do regime
fiscal brasileiro: o Teto dos Gastos Públicos.
Por tudo isso, não deve causar
estranheza que o mercado tenha reagido tão mal quando essa opção apareceu como
sendo o ‘Plano A’ do Governo para resolver o problema do espaço no Teto dos
Gastos. Porém, como temos que aceitar isso como fato consumado, vamos aos
números. Após todas as manobras, calculamos que foi aberto um espaço ao redor
de R$ 106 bilhões na restrição aos gastos para 2022, sendo R$ 40 bi vindos do
adiamento do pagamento dos precatórios e R$ 66 bi da mudança de indexador do
Teto. Parece muito para custear um programa que vai demandar R$ 47 bi a mais do
que já estava previsto no Orçamento para o Bolsa Família. Entretanto, temos que
levar em conta outras benesses que serão inevitáveis em ano eleitoral, como o
“Bolsa Caminhoneiro” (custo de R$ 4 bi), o Auxílio-Gás (custo de R$ 6 bi) e a
renovação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores (custo de R$ 9
bi).
Além disso, temos ajustes contábeis,
como as correções das despesas dos demais Poderes (custo de R$ 2 bi) e das
vinculadas à saúde (custo de R$ 3,9 bi) e à educação (custo de R$ 1,8 bi).
Temos ainda o ajuste da inflação. No
Orçamento de 2022, enviado ao Congresso em agosto, o índice projetado para
corrigir o salário-mínimo era de 6,2%. Após o IPCA de outubro, divulgado no
último dia 10, acreditamos que esse número vai ficar mais próximo de 10%. Como
o próprio governo estima que, para cada 1 p.p. de inflação, temos um aumento
dos gastos de R$ 8 bi, essa diferença de projeção retira algo próximo de R$ 30
bi do espaço aberto no Teto. Diante desse cenário, chegamos a um valor ao redor
de R$ 104 bi. Muita demanda para pouco dinheiro. Isso sem contar com o aumento
do Fundo Partidário que, certamente, vai entrar em discussão, as proibidas
Emendas do Relator e o aumento para o funcionalismo público anunciado pelo
presidente Jair Bolsonaro do outro lado do mundo sem combinar com os “russos”.
Essa sensação de que o ‘pé não cabe no
sapato’ apenas reforça o mal-estar gerado pela mudança da regra do Teto dos
Gastos. Se, no primeiro ano em que essa regra fiscal foi efetivamente
restritiva, foi alterada para atender às demandas políticas, qual a credibilidade
dela como restrição aos aumentos dos gastos daqui para frente?
A mudança no Teto dos Gastos incluída na
PEC dos Precatórios não vem sem custos, e eles são facilmente mensuráveis, seja
na piora da trajetória da dívida ou na deterioração dos preços dos ativos
brasileiros. No fim, vamos ter um Real mais desvalorizado, uma inflação mais
alta, requerendo juros mais elevados. O que irá diminuir, consequentemente, as
expectativas de crescimento e tornando mais custoso o ajuste fiscal requerido
para reequilibrar a trajetória da dívida pública.
Como o próprio título sugere, a situação
pode ficar pior. Caso a PEC dos Precatórios não seja aprovada até o final do
ano, a ala política do governo federal já indicou que vai partir para o “Plano
B”, que seria decretar Calamidade. Nesse caso, todas as amarras fiscais seriam
afrouxadas, de modo que não se teria que respeitar nem o Teto dos Gastos nem a
Lei de Responsabilidade Fiscal. Os que defendem essa solução advogam que isso
ficaria restrito ao ano que vem. Entretanto, juntando isso ao fato de que, a
partir de 2023, podemos ter um novo governo, temos a combinação perfeita para o
mercado extrapolar esse descontrole dos controles fiscais para além de
2022.
Obviamente que temos a opção de fazer os
ajustes nas contas públicas através do aumento nas receitas. Entretanto, aqui
também a situação complica, pois as Receitas Líquidas teriam que subir dos
atuais 17,2% do PIB para um patamar ao redor de 21%. Esse nível superaria em
quase 1 p.p. o recorde da série iniciada em 1998, alcançado em 2010 (20,2%) e
só obtido por conta da receita extra recebida pelo governo com a cessão onerosa
do petróleo do Pré-Sal à Petrobras. Ou seja, salvo por alguma privatização
bilionária e/ou por alguma solução ‘criativa’, como a venda de reservas
cambiais, o ajuste não poderia ser feito apenas pelo lado das receitas.
Mais uma vez, o Brasil escolheu o
caminho mais fácil para resolver um problema complexo. Os formuladores do Teto
dos Gastos queriam que este, além de ser um guia para a trajetória futura dos
gastos do governo federal, em algum momento fosse tão restritivo a ponto de
tornar inevitável a discussão a respeito das prioridades na alocação das
despesas no Orçamento da União. Porém, quando esse momento chegou, decidiu-se
colocar ‘um zíper na camisa de força’, tornando a regra pouco crível.
A recente melhora dos ativos com a
aprovação da PEC dos Precatórios não deve ser considerada uma prova da
aprovação deste instrumento pelos mercados, mas um alívio temporário após se
vislumbrar um cenário ainda pior. Como o “jogo só termina quando acaba”, ainda
temos toda a tramitação no Senado Federal, com ainda mais emoção nas próximas
semanas.
*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa
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